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''Maldito'' de Cachoeiro revive em CD

Trio Zebedeu lança notável álbum com 12 canções de Sergio Sampaio, 1 inédita

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Dizem que as melhores coisas surgem quando ninguém está olhando. Pois bem: um dos grandes discos do ano saiu no epílogo de 2009, há uma semana (se tivesse chegado a tempo das listas de melhores da crítica, certamente teria mudado a ordem das estrelinhas).

 

Ouça Nem Assim, do Trio ZebedeuNão tem problema, é um discaço assim mesmo. Trata-se de uma coleção de canções do grande compositor capixaba Sergio Sampaio, conterrâneo de Roberto Carlos e autor da marcha-rancho Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua, dos anos 70 (incluída entre as 100 maiores da música brasileira em eleição da revista Rolling Stone este ano). Sampaio também foi parceiro de Raul Seixas no disco Sociedade de Grã-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das Dez, de 1971 (com Miriam Batucada e Edy Star).Foi na segunda-feira, 13, que saiu do forno o álbum Hoje Não, resultado de dois anos de estrada do Trio Zebedeu (de Vitória, Espírito Santo), que correu o Brasil tocando as canções de Sampaio. O CD está à venda na internet (www.patuleia.com/hojenao). O trio apresentou esse repertório pelo Brasil aqui e ali (em São Paulo, foi no Sesc Vila Mariana), na forma do espetáculo Tangos e outras Delícias de Sérgio Sampaio. O Trio Zebedeu é Juliano Gauche e mais o Duo Zebedeu, formado pelos violonistas Fabio do Carmo e Julio Santos.O disco tem 12 canções, todas de autoria do poeta. Entre essa dúzia de canções está Hoje Não, música inédita, que dá nome ao disco. O primeiro clipe vai ser da música Brasília, uma homenagem aos 50 anos da capital federal, que deverá ser filmado no mercado municipal. Acústico, suingado, o disco se escora numa espécie de fenômeno parapsicológico: o vocalista Juliano Gauche não só se parece com Sampaio, mas seu timbre e sua performance incendiária no palco são idênticos. A química fina entre os violonistas, Fabio e Julinho, é pura sofisticação. O trio entra em turnê em março para uma série de 30 shows."Influenciador de Raul Seixas, mas bem mais perto do samba canção que do rock; influenciado por Orestes Barbosa, Silvio Caldas e Lupicínio. A ácida atemporalidade autobiográfica de sua obra indica outros caminhos bem mais tortuosos que o de serestas e boleros", define o produtor do álbum, João Moraes, primo de Sampaio. O disco foi gravado em setembro de 2009, e mixado e masterizado em outubro por Éber Pinheiro. É amplamente conhecida a qualidade das letras e das composições de Sampaio, que trabalhou com todos os gêneros. Mas sempre surpreende o nível de sua elaboração poética. "Penso que as letras de Sérgio Sampaio se irmanam aos poemas da geração marginal sobretudo por um desejo, eu diria romântico, para não dizer utópico, de aproximar, à beira da indistinção, poesia e vida", diz o ensaísta Wilberth Salgueiro, doutor em Teoria Literária pela UFRJ. Temas batidos, como arroubos de paixão, viram clássicos em suas versões, como Nem Assim, gravada pelo Trio Zebedeu. "Você pode dizer o que quiser de mim/Que nada do que diga me fará voltar/Pode inventar mentiras e até publicar/ Dizer que eu não sirvo mesmo para o amor/ Que eu sou narcisista e mau compositor/ E que se eu morrer agora ninguém vai chorar/ E que os vícios da cidade toda estão em mim".Juliano Gauche, que também é frontman da banda Solana, reinterpreta com visceralidade e sincera rendição os versos de Sampaio. Canções mais batidas em outros desempenhos, como Cruel (que Luis Melodia gravou) e Velho Bandido (Jards Macalé) ressurgem renovadas, com o nervosismo típico dos noughties (a primeira década dos anos 2000).Morto há 15 anos, com 47 de idade, Sérgio Sampaio integra uma galeria de "malditos" da MPB, que incluiria Melodia, Itamar, Torquato Neto, Macalé, Mautner, Arrigo. Não à toa, foi parceiro de Raul Seixas em seu primeiro disco, A Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das Dez (1971). Ao morrer de pancreatite, em 15 de maio de 1994, Sampaio tinha legado ao futuro apenas um hit, a música Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua, de 1972, que ganhou o Festival Internacional da Canção ao ser apresentada no Maracanãzinho, naquele ano. Mas a sua obra é vasta, reunida em quatro discos e um póstumo, Cruel, lançado por Zeca Baleiro. Em 1998, artistas como João Bosco, João Nogueira, Eduardo Dusek, Luiz Melodia, Lenine, Zé Ramalho, Chico César e outros gravaram O Balaio do Sampaio, que ajuda a fazer a obra do autor chegar às novas gerações.Apesar do amplo consenso em torno da qualidade do seu trabalho, Sampaio morreu meio à margem, em 1994. Enterrado num jazigo provisório no Cemitério São João Batista, no Rio, teve os ossos "despejados" três anos depois, e a família foi convocada pelos jornais para ir buscá-los.

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