Mapa: 1 em cada 3 cidades brasileiras tem risco para desastre climático; veja onde elas estão

Levantamento lista localidades mais suscetíveis a inundações, enchentes e deslizamentos de terra. Governos locais e federal dizem adotar medidas para ampliar o monitoramento e a segurança

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Um levantamento do governo federal mostra que pelo menos 1.942 municípios do Brasil estão localizados em áreas de risco recorrente para desastres climáticos como inundações, enchentes e deslizamentos de terra. O número, porém, ainda é subestimado, considerando que o documento lista, por exemplo, apenas 142 cidades gaúchas. Na tragédia que assola o Rio Grande do Sul neste momento, 450 municípios já foram impactados pelas fortes chuvas, segundo dados da Defesa Civil do Estado.

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Os números constam de nota técnica elaborada pela Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento, órgão vinculado à Casa Civil. Eles se baseiam na base de dados do Atlas de Desastre e Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, que compilou eventos entre 1991 e 2022. Assim, não considera os desastres mais recentes provocados pelo clima, em especial no sul do País.

Entre as localidades estão regiões como São Sebastião, no litoral paulista e que sofreu com fortes chuvas e deslizamentos em 2023, e Petrópolis, no Rio, que passou pelo mesmo problema em 2022. Atualmente, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) conta com equipamentos de monitoramento de chuvas em 1.133 municípios brasileiros. A previsão é de que eles sejam instalados nas 1.942 cidades listadas até o fim de 2027.

Abaixo, consulte o dado por cidade.

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O documento que mapeia as cidades, segundo a Casa Civil, tenta atender a uma “necessidade de atualização da lista de municípios com evidências de maior criticidade quanto à ocorrência de desastres naturais relacionados ao clima”. A metodologia foi atualizada e passou a contabilizar localidades a partir dos seguintes critérios:

  • ter óbito registrado relacionado a desastres entre 1991 e 2022;
  • ter 10 registros, ou mais, de desastres entre 1991 e 2022;
  • apresentar o número de 900 pessoas, ou mais, desalojadas/desabrigadas no período de 1991 a 2022;
  • apresentar o número de 500 pessoas, ou mais, identificadas em áreas mapeadas com risco geo-hidrológico;
  • apresentar alta vulnerabilidade a inundações, segundo o Atlas de Vulnerabilidade a Inundações da ANA (2014);
  • apresentar 400 dias de chuvas, ou mais, acima de 50 mm, de 1981 a 2022, que corresponde a uma média de 10 dias por ano.

Nos 1.942 municípios mapeados, vivem 148,8 milhões de pessoas, o equivalente a 73% da população brasileira. O dado, no entanto, não representa o total da população em risco, mas o total de moradores das cidades que possuem uma ou mais áreas com algum grau de risco para desastres ligados ao clima.

No período de 1991 a 2022, essas cidades registraram 3.890 mortes em 16.241 desastres, o que deixou 7,9 milhões de desabrigados/desalojados.

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A quantidade de pessoas em área de risco geohidrológico totaliza 8,9 milhões, de acordo com o documento. Na Bahia, o porcentual de pessoas em área de risco em relação ao total de moradores das cidades destacadas como vulneráveis chega a 17,3%, porcentagem que é de 13,8% no Espírito Santo e 11,6% em Pernambuco.

  • Municípios suscetíveis a movimento de massa (deslizamento): 1.023;
  • Municípios suscetíveis a alagamentos e enxurradas: 1.766;
  • Municípios suscetíveis a inundações: 1.811.

*A soma da lista supera os 1.942 municípios pela possibilidade de uma mesma localidade ter mais de um tipo diferente de risco identificado.

“Quando a gente pensa em qualquer plano, qualquer sistema, para reduzir o risco de desastres, a gente precisa ter um monitoramento. Aqui no Brasil os desastres são deflagrados por chuvas demais, que vão causar as enxurradas, as inundações, os alagamentos, as enchentes. Você precisa, obviamente, ter uma informação a priori, antes que o evento aconteça, para que vidas sejam salvas”, ressalta Regina Alvalá, coordenadora do Cemaden.

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Em Muçum, no Rio Grande do Sul, estrutura de casas foi levada por enxurrada Foto: Nelson Almeida/AFP

“O Cemaden tem essa missão de monitorar e alertar e, quanto mais antecipado for o alerta emitido, mais ele pode ser útil lá na ponta, lá no município, (para) as defesas civis prepararem, retirarem as populações daquelas áreas que são mais críticas para o impacto desses eventos e salvar vidas.”

Apesar de menos de 1/5 dos municípios brasileiros ter equipamentos para monitoramento das chuvas, o Cemaden ressalta que todos os 5.568 são acompanhados através de um sistema de cruzamento de dados. Isso permite que o órgão faça alertas diários sobre riscos de chuvas mais fortes.

O levantamento destaca o dado por região:

  • “A Região Sudeste concentra a maior população exposta aos riscos, tendo o Estado de Minas Gerais o maior quantitativo de municípios mais suscetíveis a ocorrência de desastres naturais (283), seguido de São Paulo (172), Rio de Janeiro (75) e Espírito Santo (71);
  • Na Região Sul, Santa Catarina desponta com o maior número de municípios (207) e pessoas expostas aos riscos, seguido do Rio Grande do Sul (142) e Paraná (80);
  • Na Região Nordeste, destacam-se a Bahia (137), Maranhão (110), Pernambuco (106) e Ceará (74). A Bahia também tem a maior proporção do Brasil de população de seus municípios suscetíveis em áreas mapeadas aos riscos (17,3%).
  • A Região Norte, caracterizada por inundações graduais, tem nos Estados do Pará (82) e do Amazonas (59) os maiores números de municípios mais suscetíveis à ocorrência de desastres.
  • A Região Centro-Oeste mantém a menor percentagem de registro de eventos e de pessoas expostas aos riscos. O Estado do Mato Grosso (40) apresenta o maior número de municípios mais suscetíveis; no entanto, Mato Grosso do Sul tem a maior quantidade de pessoas mapeadas em áreas de riscos (25.092).”

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Mapeamento começou após chuvas provocarem 900 mortes em Teresópolis

O mapeamento de cidades sob risco começou a ser feito no início de 2011, após as fortes chuvas que atingiram a cidade de Teresópolis, na região serrana do Rio. Considerada a maior catástrofe de origem geohidrológica do Brasil, a tragédia provocou mais de 900 mortes e deixou ao menos 350 pessoas desaparecidas, além de milhares de desabrigados.

O impacto daqueles eventos impulsionou a criação de políticas públicas voltadas aos desastres climáticos, como a criação de um Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNDC). Ele está previsto em lei federal desde 2012, mas até hoje não saiu efetivamente do papel.

Considerada a maior catástrofe de origem geo-hidrológica do Brasil, a tragédia em Teresópolis provocou mais de 900 mortes e deixou pelo menos 350 pessoas desaparecidas Foto: Fabio Motta/Estadão - 12/1/2011

“Um sistema de redução de riscos tem que contemplar outros eixos também. Então, os municípios precisam ter os seus planos de prevenção, os seus planos de preparação, os seus planos de contingência”, pontua Regina Alvalá.

“É o município que tem que saber onde estão as encostas para poder fazer obras de contenção, desassorear os rios, não deixar bueiros entupir, recolher lixo. Há várias ações estruturais e não estruturais que as defesas civis e os municípios devem priorizar como parte integrante de qualquer sistema de redução de riscos de desastres.”

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São Sebastião tenta realocar atingidos

Em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, que foi cenário de uma tragédia em fevereiro de 2023, com a morte de 64 pessoas em deslizamentos de encostas após chuvas intensas, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) obteve liminar da Justiça para a remoção das famílias e demolição de 893 casas.

Desastre em São Sebastião deixou 64 mortos Foto: Werther Santana/Estadão - 22/2/2023

A cidade tem 81,5 mil habitantes e cerca de 4 mil seriam afetados. A prefeitura conseguiu evitar o despejo em massa se comprometendo a realizar obras de proteção contra novos deslizamentos. A ação foi suspensa.

A decisão da Justiça implicaria a total transferência da Vila Sahy, a comunidade mais afetada, onde 45 casas foram destruídas pelo desastre e não serão reconstruídas no mesmo local. Outros seis prédios foram demolidos devido às avarias. Também foi autorizada a demolição de 197 moradias que foram desocupadas espontaneamente pelos moradores. Conforme os levantamentos mais recentes, apenas na Vila Sahy são 354 imóveis em risco muito alto e 34 em situação de alto risco.

Dois empreendimentos habitacionais vão atender 704 famílias. Outras 303 estão alojadas provisoriamente na cidade de Bertioga. Associações de moradores se opõem às transferências.

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Para reduzir o risco, a prefeitura investe R$ 193 milhões em obras de contenção, como barreiras de pedra conhecidas como gabiões, para frear deslizamentos. O pacote de obras emergenciais inclui sistemas de drenagem e contenção de taludes com placas e escada hidráulica para o escoamento da água.

Em Juquehy, outro bairro atingido, a prefeitura constrói um canal hidráulico com muro de gabião para direcionar as águas que descem dos morros.

A catástrofe deixou também mais de 600 cicatrizes nas encostas da Serra do Mar. Em outubro do ano passado, o Instituto de Conservação Costeira (ICC), em parceria com a Atlântica Consultoria Ambiental e a multinacional Ambipar Group, iniciou um projeto de restauro ecológico das áreas florestais degradadas pelos deslizamentos espalhando biocápsulas de sementes com o uso de drones.

O ICC realiza ainda, em conjunto com a prefeitura, o programa São Sebastião Resiliente que prevê, entre outras medidas, um cinturão de áreas de proteção ambiental e parques verdes para absorver a água da chuva.

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Em Petrópolis, 70 mil seguem em áreas de risco

Em Petrópolis, com 278,8 mil habitantes no Rio de Janeiro, um bairro com 245 casas foi demolido pela prefeitura depois das enchentes de 2022, que causaram deslizamentos e deixaram 235 mortos. O Morro da Oficina praticamente desapareceu, mas ainda há cerca de 70 mil pessoas vivendo em áreas de risco, segundo estudo do Ministério das Cidades, divulgado em fevereiro deste ano. As áreas em risco correspondem a 18% da área urbana.

Deslizamentos atingiram Petrópolis em 2022 Foto: Wilton Junior/Estadão - 21/3/2022

O número é superior ao apurado em 2017 pelo Plano Municipal de Redução de Riscos e Movimentos de Massa, que apontava 40 mil pessoas vivendo em 234 áreas de risco. Foram mapeados 27 mil imóveis, correspondendo a 10% da área urbana. Destes, 15,2 mil estavam em áreas de risco alto ou muito alto.

Depois de registrar enchentes e cerca de 775 deslizamentos de terra, em 2022, a prefeitura deu início a um processo de demolição das moradias em locais de risco, mas uma ação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro barrou o processo.

A Justiça entendeu que as demolições deveriam ser precedidas de notificação ao proprietário e estudo caso a caso. No caso do Morro da Oficina, a demolição foi autorizada pela Justiça devido à necessidade de realizar obras emergenciais de contenção da encosta, drenagem e proteção de moradias e edifícios públicos, entre eles uma escola municipal e um pronto-socorro.

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As famílias recebem uma compensação financeira de até R$ 230 mil prevista no programa Recomeço Seguro. Em outros bairros, como a Vila Felipe, a prefeitura investe na construção de barreiras dinâmicas, sistemas de drenagem e demolições de blocos rochosos para prevenir novos desastres.

Petrópolis registra um histórico de desastres climáticos. Antes da tragédia de 2022, a maior já registrada, a cidade havia sido assolada por grandes inundações em 1966, com 80 mortos, e 1988, com um saldo de 171 mortes. Em 2001, os temporais fizeram 51 vítimas fatais; em 2011, os deslizamentos mataram 73 pessoas e, em 2013, foram 13 mortes.

No Rio Grande do Sul, cidades planejam reconstrução em novas áreas

O Estadão mostrou que ao menos quatro cidades que foram severamente atingidas pelas enchentes do Rio Grande do Sul planejam mudar parte da área urbana para fora da região sujeita a inundações. São localidades de pequeno porte, situadas em calhas de rios, e que enfrentaram de dois a quatro desastres naturais em menos de um ano.

Especialistas afirmam que outras cidades precisam seguir os exemplos de Barra do Rio Azul, Muçum, Roca Sales e Cruzeiro do Sul e não reerguer as estruturas destruídas no mesmo lugar. Para eles, com as mudanças climáticas, novas enchentes virão.

Em coletiva de imprensa na semana passada, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou ter solicitado que o levantamento de impactos da Defesa Civil também inclua a identificação de localidades que possam eventualmente não ter mais população fixa. “Isso está no nosso radar e no nosso plano de ação.”

“(Teremos) um olhar específico para aquelas cidades que terão a necessidade de um planejamento excepcional de transferência de de locais inteiros, o que vai envolver um custo multibilionário para as necessidades de indenizações para as pessoas que vivem nesses lugares e transferência para um novo lugar, que deveria ser também urbanizado. Nós entendemos que é pertinente para algumas cidades, algumas localidades críticas. Aí vamos buscar a condição de fazê-lo”, disse Leite.

Grande parte da cidade de Roca Sales, no Vale do Taquari, atingida por três enchentes em menos de um ano, será reconstruída em outro local, segundo o prefeito Amilton Fontana (MDB). “Estamos conversando com os moradores e temos vários pontos da cidade onde não será possível autorizar novas construções ou a reconstrução das casas destruídas. A gente precisa evacuar essa população e planejar a cidade em um local mais seguro”, disse. Com 10,4 mil habitantes, Roca Sales teve sete mortes confirmadas nesta enchente. Outras sete pessoas estão desaparecidas.

Recursos

Em nota, o Ministério das Cidades destacou que foi criado o “PAC Prevenção a Desastres, com investimentos previstos de R$ 11,7 bilhões”. “Na semana passada, na primeira seleção de Contenção de Encostas, foram anunciados investimentos de R$ 1,7 bilhão. Nas próximas semanas, será anunciado o resultado da primeira seleção de Drenagem, com investimentos de R$ 4,8 bilhões”, declarou a pasta.

“Em relação ao orçamento do Ministério das Cidades, vale ressaltar que o valor deixado pelo governo anterior para prevenção de riscos em 2023, antes da PEC da Transição, era de R$ 27 milhões, insuficiente sequer para manter as obras em execução. Após a PEC da transição, o orçamento de 2023 foi ampliado e, nesse exercício de 2024, primeiro orçamento do governo Lula, o valor alocado para obras de prevenção a desastres foi de R$ 636 milhões, montante que corresponde ao dobro da média do orçamento alocado nos últimos 6 anos”, acrescentou.

A reportagem consultou o Ministério do Meio Ambiente, que não comentou, e o da Integração e Desenvolvimento Regional, que encaminhou a demanda à pasta das Cidades. No Rio Grande do Sul, a gestão do presidente Lula vem anunciando uma série de medidas. A mais recente é a que o governo irá repassar R$ 5,1 mil para cada família gaúcha que perdeu seus bens e móveis nas enchentes. Em estimativas iniciais, o Planalto estima que o volume de recursos para esse benefício deve somar R$ 1,2 bilhão e atender pouco mais de 200 mil famílias.

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