RECIFE - O Ministério da Defesa, a Advocacia-Geral da União e a Marinha optaram por afundar o porta-aviões NAe São Paulo. A decisão foi anunciada em nota conjunta publicada na noite desta quarta-feira, 1º, e contraria o que vinham recomendando o Ministério Público Federal, o Ibama e entidades ambientalistas. A data e o horário da operação não foram informados.
A decisão deverá pôr fim ao imbróglio internacional que se arrasta desde que a Turquia rompeu contrato e recusou receber o navio que carrega pelo menos 9,6 toneladas da substância cancerígena amianto. A embarcação foi vendida pela Marinha para o estaleiro Sök Denizcilik Tic Sti para desmanche e reciclagem verde. Transportada a reboque, a embarcação de 266 metros de comprimento também foi rejeitada por portos brasileiros depois que precisou retornar da Europa.
Ministério da Defesa, a Advocacia-Geral da União e a Marinha do Brasil listaram o crescente risco que envolve a tarefa de reboque, a deterioração das condições de flutuabilidade do casco e a inevitabilidade de afundamento espontâneo/não controlado como motivos para a decisão. “Não é possível adotar outra conduta que não o alijamento do casco, por meio do afundamento planejado e controlado”, diz a nota.
Depois da viagem entre Brasil e Turquia e mais três meses navegando sem rumo nas imediações do litoral de Pernambuco, aguardando um destino, o casco apresenta uma série de avarias, segundo declarações da Marinha e laudo técnico encomendado pela Sök.
A área do naufrágio fica localizada em área marítima dentro das Águas Jurisdicionais Brasileiras, a 350 km da costa e com profundidade aproximada de 5 mil metros.
O local foi selecionado com base em estudo conduzido pelo Centro de Hidrografia da Marinha, e foi considerado o mais seguro para as condições de “severa degradação” do casco, cumprindo os critérios de estar: dentro da área da Zona Econômica Exclusiva do Brasil; fora de Áreas de Proteção Ambiental; livre de interferências com cabos submarinos documentados; sem interferência de projetos de obras sobre águas (como parques eólicos, por exemplo); e com profundidades maiores que 3 mil metros.
Os órgãos brasileiros comunicaram ainda que adotarão medidas extrajudiciais e judiciais “com a finalidade de mitigar, reparar e salvaguardar os interesses do Estado Brasileiro”. A Marinha precisou reassumir, no último dia 20, as operações relacionadas ao navio quando a transportadora turca MSK Maritime renunciou à sua propriedade.
MPF tentou barrar afundamento; Ibama preferia reciclagem verde
Uma série de organismos tentaram impedir que o destino do navio virasse o fundo do mar desde que o naufrágio proposital ou acidental do casco começou a virar uma possibilidade. O Ministério Público Federal solicitou, na terça-feira, 31, a suspensão do afundamento do navio. O pedido de liminar, no entanto, foi negado pela Justiça Federal em decisão publicada nesta quarta.
Autoridade brasileira responsável por fazer valer a Convenção de Basileia (regulamentação internacional sobre transporte de resíduos), o próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) preferia outra resolução.
O Ibama disse, na noite da terça-feira, 31, que estava buscando informações mais detalhadas sobre o local previsto para um possível afundamento do ex-navio “com vistas a eventual mitigação, reparação e salvaguarda do meio ambiente brasileiro”. Mesmo assim, o instituto reiterou que considerava a reciclagem verde em estaleiro credenciado pela União Europeia a melhor destinação ambiental para ex-navios.
“Equipe técnica do instituto estima que a liberação de materiais poluentes contidos na estrutura poderia causar distúrbio na capacidade filtrante e dificuldade de crescimento em organismos aquáticos; o impacto físico sobre o fundo do oceano provocaria a morte de espécies e deterioração de ecossistemas; CFCs e HCFCs usados na insulação de salas contribuiriam, a partir da corrosão das paredes, para a degradação da camada de ozônio; a carcaça poderia atrair espécies invasoras prejudiciais para a biodiversidade nativa; e os microplásticos e metais pesados presentes em tintas da embarcação poderiam se tornar protagonistas de uma bioacumulação indesejável em organismos aquáticos. Como agravante, todos os impactos previstos poderiam ocorrer em hotspots de biodiversidade, fundamentais para a vida marinha”, listou.
A coalizão de ONGs ambientalistas e de direitos trabalhistas que monitora o caso também se opôs. As entidades desconfiam até mesmo da afirmação da Marinha de que o navio estivesse em risco de naufragar acidentalmente.
“A Marinha descumpriu as regras de Basileia ao se recusar a permitir que o navio atracasse com segurança no Brasil e agora, com sua ação de afundar o navio no oceano, também está violando a Convenção sobre a Prevenção da Poluição Marinha por Despejo do Protocolo de Londres de Resíduos e Outras Matérias de 1996, bem como a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs)”, criticou, em comunicado à imprensa, a Shipbreaking Platform, ONG que trabalha contra a prática de demolição naval e pela reciclagem verde.
Jim Puckett, diretor da Basel Action Network (BAN) – organização que combate a exportação de resíduos tóxicos para países em desenvolvimento –, defendeu que “a Marinha do Brasil deveria ser condenada por negligência grave”.
“Se prosseguirem com o despejo da embarcação altamente tóxica no Oceano Atlântico, violarão os termos de três tratados ambientais internacionais e o farão sem bom motivo”, disse o ambientalista.
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