Marinheiro relata ataque de ‘piratas’ na Amazônia: ‘Chegaram atirando’

Em resposta à alta de roubos a navios cargueiros nos últimos anos, muitas empresas têm investido em escolta armada e sistemas de segurança

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Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

Rogério* tinha acabado de terminar seu plantão no navio cargueiro onde trabalha quando desceu da cabine para conversar um pouco com seguranças da embarcação. Papo vai, papo vem, subiu de novo para descansar. Assim que fechou a porta, ouviu disparos de arma de fogo. Era um grupo de piratas dos rios chegando para tentar assaltá-los.

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“Foi um susto, nós (tripulantes) nos jogamos no chão”, diz Rogério, de 30 anos. O caso ocorreu no começo de janeiro deste ano, por volta de 19h, nas proximidades do Rio Amazonas. O nome dele foi alterado pela reportagem por questões de segurança. “Se fosse dois minutos antes, eles teriam disparado e eu estaria lá no meio.”

Como mostrou o Estadão, a atuação de piratas em rios da Amazônia tem levado não só medo para a população, como prejuízos às empresas da região. Levantamento do Instituto Combustível Legal (ICL) indica que a atuação desses grupos causa prejuízo anual de cerca de R$ 100 milhões nas atividades de transporte de cargas pelo Rio Amazonas.

Integrantes das polícias Federal e Civil e do Ministério Público do Estado do Pará (MPAP) durante Operação Detour, deflagrada no fim do ano passado contra grupo de piratas dos rios Foto: MPAP

Quando a embarcação em que Rogério estava foi alvo dos piratas, o navio cargueiro tinha acabado de passar pelo estreito de Breves, no Pará, considerado um dos principais pontos de atenção para marinheiros da região. Não à toa, a única base fluvial instalada pelo governo paraense no Estado fica por lá, na altura da cidade de Antônio Lemos.

“Ali naquela região a gente perde sinal (de celular), perde tudo. Então a gente fica mais exposto”, conta ele, marinheiro fluvial de convés há 6 anos. Segundo Rogério, o navio em que trabalhava havia saído do Porto de Vila do Conde, em Barcarena, e tinha Manaus como destino final. Eram quatro marinheiros a bordo.

“Como a gente reconheceu que eram disparos, a gente já imaginou que seriam os piratas. Então a gente logo se jogou no chão enquanto eles ficaram trocando tiros”, diz Rogério. Foram cerca de cinco minutos de troca de tiros que mais pareceram uma eternidade, conta.

Como a gente reconheceu que eram disparos, a gente já imaginou que seriam os piratas

Rogério, marinheiro

A “sorte”, afirma ele, é que havia dois seguranças para justamente proteger a embarcação da ofensiva de piratas, em iniciativa que tem se multiplicado entre as transportadoras da região para evitar os roubos.

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“Na hora que não ouvimos mais disparos, saímos. A gente não sabia se eles tinham conseguido adentrar na embarcação ou se os seguranças tinham conseguido combatê-los”, diz. Ao encontrar com os seguranças, Rogério conta que eles relataram que estavam bem. O ataque, afirmaram, havia sido feito por quatro piratas fortemente armados.

Cabines em que ficam tripulantes costumam ficar na parte traseira das embacações Foto: Divulgação/Instituto Combustível Legal

“Já chegaram atirando na gente. Os seguranças falaram que eles deram pelo menos dois tiros de espingarda e outros três de 9 milímetros”, afirma. Segundo ele, os disparos chegaram a atingir o camarote, exatamente onde ele estava, o ar-condicionado da cabine de comando e a lataria da embarcação de grande porte.

Em resposta, um dos seguranças teria acertado um dos piratas, o que os fez desistir do assalto e fugir. “Estávamos transportando carretas, contêineres... Tinha muita coisa dentro da embarcação”, disse. “Tinha até carregamentos dos Correios, que, no caso, para eles, são bastante valiosos, já que costuma ter celulares e tudo mais.”

‘Ninguém dormiu mais’

Depois que a tentativa de assalto ocorreu, Rogério relata que não só ele, como outros tripulantes passaram a dobrar os plantões durante o trabalho. Além de avisar outros navios que haviam piratas na região. “Ninguém dormiu mais”, diz.

Em geral, as viagens feitas pela equipe em que Rogério trabalha – que consistem em ir de Manaus até Belém e voltar, com paradas em Santarém na ida e na volta – costumam durar cerca de dez dias. Os tripulantes se revezam no comando da embarcação.

A maioria das embarcações que faz esse tipo de trajeto anda com seguranças, segundo ele. “Muitas vezes eles vêm perto da embarcação para perceber se tem segurança ou não”, afirma. “Se não tiver, a gente é abordado e eles roubam tudo.”

Se não tiver (seguranças na embarcação), a gente é abordado e eles roubam tudo

Rogério, marinheiro

Rogério conta que o trauma da tentativa de assalto ficou, mas os marinheiros não têm outra alternativa a não ser continuar trabalhando. “A gente passa constantemente por lá (Breves). Agora sempre que estamos próximos ao local a gente redobra a atenção”, diz Rogério.

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Normalmente os criminosos usam lanchas de alta potência, com motores de 200 a 300 hp. Agem em grupos de pelo menos quatro pessoas e preferencialmente em períodos noturnos, quando as embarcações ficam mais expostas. “Muitos amigos já foram assaltados”, acrescenta.

O marinheiro afirma que, além do estreito de Breves, colegas costumam relatar que há outros dois pontos principais de perigo na região por conta da atuação de piratas: os rios Madeira e Solimões. “Lá nesses locais é até mais frequente. Eles conseguem adentrar dentro da embarcação, batem na tripulação... Fazem o que querem.”

Em resposta à alta de roubos a navios cargueiros nos últimos anos, muitas empresas têm investido em escolta armada e sistemas de segurança que se utilizam da Starlink, serviço de internet da SpaceX, do bilionário americano Elon Musk, para emitir alertas rápidos ao apertar um botão de emergência.

Já os governos estaduais têm se articulado para aumentar a segurança do transporte de combustíveis. Hoje, o Pará possui uma base fluvial – localizada no estreito de Breves, em Antônio Lemos –, mas prevê instalar outras duas até o fim do ano: uma delas em Óbidos, às margens do Rio Amazonas, e outra em Abaetetuba, próxima à Ilha do Capim.

O Amazonas, por sua vez, possui quatro bases em funcionamento, sendo duas móveis – a Tiradentes, que fica no Alto Solimões, e a Paulo Pinto Nery, que fica próxima da foz do Rio Madeira – e duas fixas – a Arpão 1, próxima ao município de Coari, no Rio Solimões, e a Arpão 2, localizada no Rio Negro. Esta última foi inaugurada no começo deste ano.

Como vem mostrando o Estadão, a Amazônia tem passado nos últimos anos por uma sobreposição entre crimes ambientais, como desmatamento e garimpo ilegal, com o narcotráfico. A nova dinâmica, afirmam autoridades policiais, complexificou o combate à criminalidade na região Norte, além de ter ocasionado em alta de crimes contra povos indígenas e quilombolas em Estados como o Pará.

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