Em 2 de outubro de 1992, quando aconteceu o massacre na Casa de Detenção do Carandiru, a morte dos 111 presos se tornou um marco no debate sobre direitos humanos. Passados 20 anos, o caso serve também para revelar os gargalos da Justiça e sua incapacidade para responder a episódios dessa relevância.Para entender o percurso da ação, sete professores da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) se debruçaram sobre os documentos e analisaram suas idas e vindas na Justiça, a fim de compreender o motivo da demora. "Esse caso revelou que nosso sistema penal tem enorme dificuldade para lidar com casos dessa complexidade", diz a professora Maíra Rocha Machado, uma das autoras da análise.Segundo a professora, três foram os desafios principais. O primeiro está relacionado à obtenção das provas, que acabaram sendo basicamente testemunhais - foram ouvidas 469 pessoas, sendo 111 presos e o restante, policiais militares. Os detentos mortos em pavimentos diferentes foram levados para o 2.º andar, formando uma pilha de 98 corpos, o que dificultou o trabalho da perícia.O exame de balística, para apontar a autoria dos disparos, não foi feito. Houve indício de que 13 revólveres foram "plantados" no pavilhão. Foram esquecidos, no entanto, 13 cadáveres em celas, sentados ou encostados na parede, sem armas, com sinais de execução.Mais duas questões jurídicas atrasaram a ação. O segundo problema decorre do fato de que o principal acusado de comandar o massacre, o coronel Ubiratan Guimarães, assumiu cargo de deputado estadual em 1997 e ganhou foro especial.Ele foi condenado em 2001 e voltou a ser eleito deputado em 2003, sendo a apelação analisada novamente no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo - o coronel foi assassinado em 2006, antes de cumprir pena, em um caso de crime passional. O desmembramento, porém, acaba tendo efeitos importantes no caso dos demais réus.O terceiro problema foi a discussão sobre o conflito de competência, para decidir se o processo deveria ser julgado pela Justiça Militar ou Comum.Burocracia. Dessa maneira, apesar da complexidade da tragédia, as investigações não retardaram o andamento do processo e foram feitas em menos de um ano. Em compensação, nos corredores da burocracia da Justiça, o processo acabou tramitando por dez anos só no TJ-SP, para que fosse confirmada a decisão de pronúncia dos acusados."Quando o Código de Processo Penal foi criado, nos anos 1940, nunca seus autores imaginaram que haveria um caso com tantos réus. A quantidade de réus, dezenas, é o principal desafio para levar esse caso a júri", afirma o promotor de Justiça Norberto Joia, que atuou no julgamento do coronel Ubiratan.Apesar de o júri de 26 réus ter sido marcado para o dia 28 de janeiro do ano que vem, a defesa pretende pedir a nulidade da decisão, adiando-o mais uma vez. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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