"Eles voltaram a falar inglês no metrô”, comenta Samuel, meu filho caçula, de 13 anos, a caminho da Arena Corinthians, sábado, onde vamos assistir às partidas de futebol feminino Canadá x Zimbábue e Alemanha x Austrália. Estou feliz como um porco na lama, como diria um saudoso professor meu. Adoro ir ao estádio. E esta é a segunda vez em poucos dias. Há algo de exótico, convenhamos, no encontro de quatro seleções nacionais, de quatro cantos do planeta, num bairro da zona leste de São Paulo. Não é o inglês do sistema de alto-falantes do metrô que me deixa feliz. Mas sim, o sinal de que um grande evento internacional está em curso (também) em nossa cidade. São Paulo me fascina desde que me mudei para cá na década de 1980. Fico entusiasmado sempre que os estrangeiros encontram um motivo para conhecê-la. O fato de que vão até a Arena Corinthians em Itaquera – e de metrô, ainda por cima – é sopa no mel.
Antes mesmo de começar a partida, Samuel me pergunta que língua se fala em Zimbábue. Desconheço a resposta. O que fazíamos antes da internet? Descubro na Wikipédia, ali no meu telefone, do estádio mesmo, que são 16 idiomas oficiais, sendo Shona o mais falado, e o inglês o mais conhecido no ocidente. Logo a seguir vem a segunda indagação difícil do caçula. Se há dois idiomas oficiais no Canadá, por que se canta o hino em inglês? Nada sei a respeito, confesso, e se conheço um pouco da letra é graças ao desenho animado, “South Park”, apenas. A história do hino canadense é complexa, aprendo depois, em casa. Não é verdade que é cantado só em inglês. Foi escrito, originalmente, em francês, inclusive, e há pelo menos uma versão em língua indígena e outras que misturam mais de um idioma. Olimpíada é cultura – e na veia, diga-se.
O clima na Arena é de leveza, de pura festa. Toca música alta no estádio, samba, rock e hits internacionais de décadas passadas. Não demora muito e começamos a praticar a famosa ola – onda, em espanhol. Para que dê certo precisamos nos levantar das poltronas em blocos sucessivos de forma mais ou menos sincronizada, jogando os braços para cima. A alegria dos torcedores brasileiros com este momento é palpável. Dá a impressão de haver ali gente que espera por isso a vida toda. A ola dá voltas e mais voltas no estádio, para durante um tempo e depois começa tudo de novo. Parece ter vida própria, como um animal grande e invisível solto no estádio. Fazemos isso durante os jogos do campeonato brasileiro? Não que eu me lembre. Por que será?
Na segunda partida do dia, entre a seleção da Austrália e a da Alemanha, a torcida na Arena Corinthians está com a equipe da Oceania. Depois do inesquecível 7 a 1 no futebol masculino durante a Copa, símbolo de todos as deficiências do nosso país, ficou difícil torcer para a Alemanha.
Austrália vem ganhando a partida, um jogão, diga-se, mas a Alemanha empata no final, aumentando suas chances de passar à próxima fase da competição. Com isso, torna-se plausível um confronto entre a equipe do Brasil e a da Alemanha mais adiante. A possibilidade dá um frio na barriga – pequeno, mas inegável. Será que as mulheres poderiam vingar a derrota dos homens? Se vier a acontecer, será confronto histórico. Aliás, entre as histórias desses Jogos Olímpicos, uma das mais empolgantes é o aumento de interesse por parte do público brasileiro pela seleção feminina. Vamos torcer muito por ela, ainda, se Deus quiser.
Enquanto subimos as escadarias em direção à saída, Samuel faz a última indagação difícil do dia:
– Pai, como se inicia uma ola?
– Em que sentido, filho?
– Ela é programada ou espontânea?
Saí com essa:
– Acho que depende um pouco do clima no estádio.
Mas descobri, depois, que tem filme até disso na internet. Basta teclar no Google: Como se começa uma ola?
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