‘Medo de me tornar refém’: vizinhos do presídio de Mossoró vivem apreensão com caçada a fugitivos

Buscas se concentram em área rural de Mossoró e Baraúna. Detentos fizeram família refém na sexta-feira e ainda estão sendo procurados na região

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Por Higo Lima
Atualização:

Desde que a notícia da fuga de dois detentos da Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, começou a circular na última quarta-feira, 14, a pequena cidade de Baraúna vive um clima de apreensão e medo, devido à proximidade com a unidade prisional e à maior circulação de forças de segurança pelas ruas. Nesta segunda-feira, 19, o governo federal autorizou o uso da Força Nacional na operação.

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Com pouco menos de 30 mil habitantes, Baraúna concentra em sua zona rural a maior parte dos esforços na busca por Rogério da Silva Mendonça, de 35 anos, e Deibson Cabral Nascimento, de 33. O presídio foi construído às margens da RN-015, estrada que liga Mossoró à divisa com Ceará, passando por Baraúna.

A dona de casa Andrea Lopes da Silva, de 29 anos, mora com o marido e dois filhos na comunidade Primavera e, desde que soube da fuga, mudou-se com a família para a casa de uma tia. “Depois da cerca que termina o quintal da minha casa, só tem um matagal que vai dar lá no Ceará ou lá em Mossoró. A gente vê a notícia de que eles estão fugindo pelo mato, por isso eu fiquei com medo de uma invasão ou a gente se tornar refém”, disse.

Há 15 dias, Jaílsa Lopes, de 51, saiu de Aracati, cidade no litoral cearense, para visitar a irmã em Baraúna. “Eu já deveria ter voltado para minha casa, mas não consegui porque estou com medo. A gente precisa pegar essa estrada de terra ou então ir até Mossoró e, de lá, pegar um carro de lotação, mas eu não tenho coragem de andar por aí com esses homens soltos”, relata Jailsa.

A dona de casa Andrea Lopes da Silva (ao centro, de vermelho) mudou-se com a família para a casa de uma tia Foto: Higo Lima

Assim como elas, Jaedson da Silva, de 27, também teme o perigo. “Muita gente aqui da comunidade trabalha na agricultura, então precisa acordar muito cedo, antes do sol nascer, para ir cuidar da plantação. A gente fica com receio de alguém ser feito de refém porque só se fala que eles estão fugindo pelas bandas de cá”, comenta Jaedson.

Os fugitivos já fizeram uma família refém na sexta-feira, 16, quando invadiram uma casa, se alimentaram e roubaram celulares. Não houve violência contra as vítimas, segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), que confirmou que o local fica a três quilômetros da prisão de onde a dupla fugiu.

Deibson e Rogério se mostraram desorientados e buscavam ter informações da região onde se encontravam. Eles estavam sujos, com odor ruim e descalços, segundo apurou a reportagem. Foi a primeira fuga concretizada em uma unidade prisional federal; o sistema começou a operar em 2006 e é dedicado a presos considerados de alta periculosidade.

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A dupla ascendeu no mundo do crime organizado atuando no Acre como “matadores” do Comando Vermelho (CV), facção criminosa que surgiu no Rio de Janeiro e hoje é considerada dominante na região Norte.

Os criminosos, que possuem condenações que somam mais de 100 anos, foram transferidos para Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte, no fim de setembro do ano passado. A decisão se deu após a dupla participar de uma rebelião que resultou em cinco mortes em um presídio de Rio Branco.

“São presos de altíssima periculosidade, integrantes do Comando Vermelho e todos os dois com extensa ficha criminal por crimes violentos”, disse ao Estadão o promotor de Justiça Bernardo Albano, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC).

Receio afasta ciclistas de rota

A Rodovia RN-015 também é um trecho bastante procurado por ciclistas que realizam pedaladas entre as duas cidades, mas o temor dos últimos dias tem afastado os esportistas.

“Geralmente, os ciclistas organizam pedaladas nos fins de semana até a Serra Mossoró, que fica mais ou menos no meio entre Baraúna e Mossoró, mas isso não tem acontecido por receio, infelizmente”, lamenta Eliú Estevam, servidor público municipal, que desde 2014 pelada na região.

Penitenciária fica em área isolada às margens da RN-015 Foto: Google

A movimentação de ciclistas na rodovia começa por volta das 4h30 e, durante todo o dia, eles se concentram em um ponto de apoio no alto da Serra; são cerca de 200 esportistas. Nos últimos dias, no entanto, o espaço tem sido pouco frequentado.

Já no perímetro urbano, os pequenos comerciantes do centro de Baraúna relatam pouca alteração na rotina da cidade, salvo a convivência com maior número de agentes de segurança transitando nas ruas.

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“Antes a gente só via os homens fardados daqui mesmo, mas agora tem policial federal, é carro pra lá e pra cá, helicóptero. Essas coisas a gente não via por aqui, não”, diz o mototaxista Francisco Pereira, de 54.

Em uma loja de variedades ao lado do Mercado Central, a vendedora Suyanne Nunes, de 21 anos, acompanha a movimentação intensa nas ruas do comércio, enquanto divide a atenção com as notícias pelo celular.

“Baraúna nunca viveu um negócio desse. Esse presídio nunca deu medo na gente e agora, de repente, é polícia, é jornalista e até meme a cidade já virou”, disse ela, mostrando as imagens que circulam pelos grupos de aplicativos de mensagens.

Busca pelos fugitivos

A Penitenciária Federal de Mossoró está circundada por comunidades rurais tanto de Mossoró quanto de Baraúna, em uma área que também concentra volumosos hectares de fazendas produtoras da fruticultura irrigada.

Com as fortes chuvas que têm caído na região nos últimos dias, a vegetação está verde e com mata fechada, o que vem dificultando as buscas.

É na região de mata que está uma das principais frentes na caçada aos fugitivos. Passada quase uma semana de busca, o Gabinete de Gestão Integrada também intensificou a fiscalização nas rodovias de acesso que interligam Mossoró, Baraúna e as divisas com os estados do Ceará e da Paraíba.

Somente na RN-015, em um trecho de cerca de 30 quilômetros entre Mossoró e Baraúna, estão instaladas cinco barreiras de policiamento, averiguando motos, carros e caminhões que transitam naquela estrada, além de três helicópteros, drones e cães farejadores.

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Parte das informações repassadas às autoridades policiais também saem dessas comunidades.

De acordo com o coronel Humberto Pimenta, que gerencia a regional de Mossoró do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (CIOSP), os chamados para o 190 se intensificaram nos últimos dias. “O CIOSP aumentou o número de registros de chamados nos últimos dias, principalmente das zonas rurais, com informações de suspeitos, objetos achados e relato de rastros”.

Policias encontram objetos que seriam de foragidos Foto: Ministério da Justiça

“Obviamente que nem todas as informações repassadas têm elementos que ligam à fuga, porque as pessoas estão amedrontadas, então muito episódio vira suspeito, mas também há muita contribuição que tem ajudado às equipes de inteligência, porque estamos trabalhando interligados e o apoio da comunidade é fundamental”, pondera o coronel.

A procura pelos fugitivos segue em uma força-tarefa com cerca 500 agentes de grupos de elite da Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), além da Polícia Militar e Civil do Rio Grande do Norte e reforço do Ceará e da Paraíba.

No domingo, 18, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que não há prazo para o fim das buscas. Ele lembrou que a área onde os detentos se encontram é “rural e extensa” e apresenta obstáculos que dificultam a captura, como grutas e estradas vicinais.

Lewandowski viajou a Mossoró no último domingo, 18, para acompanhar as buscas Foto: Jamile Ferraris/MJSP

O ministro também comentou sobre falhas estruturais. “Essas falhas estruturais, que são antigas porque os presídios foram construídas de 2006 em diante, podem existir em alguns lugares. Aqui foram corrigidas imediatamente. Estamos avaliando se essas falhas se repetem em outros presídios”, afirmou o chefe da pasta.

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