Menos de 3% das cidades concentram metade dos 46,4 mil homicídios registrados no Brasil em 2022, segundo dados divulgados nesta terça-feira, 18, na mais nova edição do Atlas da Violência, relatório produzido anualmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O documento aponta que apenas 162 dos municípios brasileiros somam metade dos assassinatos ocorridos no Brasil naquele ano (houve empate entre os últimos, por isso 166 foram listados). Quando se leva em conta as taxas de homicídio, destacam-se cidades localizadas no interior da Bahia.
“Naturalmente, há que se considerar que, por serem maiores, os 162 municípios mais violentos, em termos do número absoluto de homicídios estimados, concentram uma parcela maior da população brasileira. No entanto, a proporção de habitantes (37,2%) é bem inferior à proporção de homicídios”, aponta o relatório.
Entre os 166 municípios listados:
- 24 estão situados na Bahia;
- 19 no Rio de Janeiro;
- 16 em São Paulo.
- A única capital que não figura na lista é Florianópolis.
“São cidades que estão na rota do narcotráfico, seja para consumo doméstico, seja para exportação”, afirma ao Estadão a pesquisadora Samira Bueno, uma das coordenadoras do Atlas e diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O Atlas aponta que, desde 2017, metade dos homicídios ocorre entre 2,2% e 2,9% dos municípios. “Em 2022, houve uma ligeira dispersão dos homicídios. Foi o ano com maior número de municípios com pelo menos um homicídio estimado (4.022), o que pode indicar uma tendência de desconcentração do crime nos últimos quatro anos, ainda que bastante modesta”, diz o documento.
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Efeito das facções como PCC e Comando Vermelho
Samira aponta que, há duas décadas, os homicídios eram uma violência característica das grandes cidades. Facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) ainda buscavam se estabelecer em seus berços.
“Hoje em dia, não (é algo concentrado em grandes cidades)”, diz a pesquisadora. “Ainda mais com essa interiorização do tráfico de drogas que a gente assistiu, especialmente na última década, com facções cada vez mais criando raízes nas regiões Norte, Centro-Oeste e cidades que antes não se tinha essa dinâmica.”
Com o avanço das organizações criminosas, regiões como Nordeste, Centro-Oeste e, mais recentemente, o Norte entraram no radar do narcotráfico. Em alguns casos, como mostrou o Estadão, a presença desses grupos impulsiona inclusive a alta de crimes ambientais e oferece riscos a populações que antes ocupavam os territórios pacificamente.
Samira destaca que o desafio continua sendo em focar medidas de governo no pequeno grupo nos municípios que concentram os homicídios. “Pensando em uma política pública que busque reduzir a violência letal, do ponto de vista de um pacto nacional de redução dos homicídios, ela tem que estar focalizada nessas cidades”, aponta.
Como exemplo disso, ela aponta que o desenho do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) foi montado com foco em 163 cidades, que na época concentravam cerca de metade dos assassinatos, com base nos registros policiais. “Isso é algo que se mantém, não é exatamente uma novidade”, disse.
Ou seja, na avaliação de Samira, essa focalização até vem sendo feita em alguma medida, mas ainda com medidas pouco efetivas, a depender do caso. “O problema é que tanto as taxas são desiguais na comparação entre os Estados como também as estratégias são muito distintas”, aponta.
Bahia tem sete entre as dez cidades mais violentas
Como exemplo, a pesquisadora cita o caso da Bahia, que tem sete cidades entre as dez com maior taxa de homicídio do País. “É um Estado que perdeu completamente a capacidade de controlar o ciclo de violência. É um Estado que precisa repensar sua política, pois sustenta taxas muito elevadas que a média nacional”, diz Samira.
Ela destaca que, além de possuir dinâmicas próprias de disputas entre facções – como Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho e grupos locais –, tem também uma das polícias mais letais do Brasil, como mostrou a edição do ano passado do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Na mesma região, a Paraíba, por exemplo, que é um Estado muito próximo, tem taxas muito menores e tem sido capaz de implementar políticas bastante focalizadas, com foco na prevenção”, exemplifica Samira. “Tem investimento do ponto de vista orçamentário voltado à investigação e a trabalhos de inteligência.”
O Estadão mostrou que a facção Bonde do Maluco (BDM) se aliou ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e tem intensificado a atuação no tráfico de drogas, inclusive com rota internacional partindo do porto da capital baiana. O BDM é uma das 14 organizações criminosas no sistema carcerário baiano – o segundo Estado com mais grupos desse tipo, segundo relatório do Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou, em nota, que a redução do número de homicídios entre os jovens e de violência doméstica intrafamiliar é prioridade. “Por isso, um dos principais programas da pasta é o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci 2), que tem entre seus eixos de atuação a redução dos homicídios e o enfrentamento e prevenção de violência contra as mulheres”, diz o ministério.
As ações do Pronasci, segundo o ministério, estão focadas nos 163 municípios brasileiros que concentram 50% das mortes violentas intencionais. Os programas, projetos e ações que compõem o Pronasci têm como eixos prioritários os seguintes aspectos: etário (com foco na população juvenil), socioeconômico, territorial e repressivo (para combater o crime organizado).
“Em relação ao Estado da Bahia, o MJSP afirma que já estão empenhados mais de R$ 40 milhões ao estado, via a modalidade fundo a fundo do Fundo Nacional de Segurança Pública, para execução em 2024″, diz a pasta. Procurada para comentar os indicadores apresentados no Atlas, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia não retornou até a última atualização desta reportagem.
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