Ministério da Fazenda libera bet para empresa suspeita de integrar esquema de jogo do bicho

Investigação de autoridades pernambucanas aponta que firma Sistema Lotérico de Pernambuco LTDA faz parte de grupo que explora jogo do bicho há décadas; governo não comenta e empresa nega relação com jogo ilegal

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Foto do author Vinícius Valfré
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL A RECIFE - O Ministério da Fazenda deu autorização para que uma empresa apontada como integrante de um grupo que explora o jogo do bicho em Pernambuco atue no mercado regular de apostas esportivas online, liberado a partir deste mês. O nome solicitado pela firma como a marca a ser usada no futuro site de apostas é o mesmo adotado pela banca do jogo ilegal no Recife.

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A empresa Sistema Lotérico de Pernambuco LTDA e seu dono, Carlos Alberto Ferreira da Silva, aparecem em investigação contra o jogo do bicho aberta em 2022 pela polícia pernambucana. Relatório de inteligência juntado ao inquérito vincula a firma à contravenção há mais de 20 anos.

Procurada para comentar o caso, a pasta do ministro Fernando Haddad não se manifestou. O advogado Augusto Castro, que representa Ferreira da Silva, afirmou que não conhece o relatório mencionado e que inexistem ligações da empresa com o jogo do bicho. Por outro lado, disse considerar importante a legalização desse tipo de jogo por causa da geração de empregos e do recolhimento de impostos (leia mais abaixo).

Segundo policiais e promotores de Justiça, a companhia aberta em 2003 integra o grupo empresarial no qual se destaca a Monte Carlos, conhecida banca do jogo do bicho do Recife com centenas de unidades espalhadas por todo o Estado. Todas as empresas teriam Carlos Alberto Ferreira da Silva como o principal responsável.

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As marcas registradas pela empresa no pedido feito ao governo para explorar apostas online são “MCGAMES”, “MONTECARLOSBET” e “MONTECARLOS”. Ou seja, as mesmas usadas pela banca em Pernambuco.

Carlos Alberto Ferreira da Silva aparece em relatório de inteligência do Ministério Público de Pernambuco como responsável pela banca de jogo do bicho Monte Carlos Foto: Reprodução

O Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Prêmios e Apostas, publicou na última terça-feira, 7, portaria que libera a exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa à empresa integrante do grupo investigado.

Para ganhar o sinal verde, as companhias precisam cumprir uma série de requisitos formais, demonstrar idoneidade e, ainda, pagar R$ 30 milhões pela outorga. O valor foi depositado.

Polícia monitorou movimentação em uma das bancas da Monte Carlos, no Recife, e incluiu dados em relatórios técnicos de investigação Foto: Reprodução

Um relatório de inteligência do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Pernambuco (MP-PE) coloca Ferreira da Silva como um dos maiores bicheiros do Estado e dono de mais de 60 empresas, entre lotéricas, administradoras, lojas de carro, de colchão e restaurantes.

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Procurado para comentar o estágio da investigação sobre a Monte Carlos, o MP-PE não se manifestou.

O documento também destaca que ele, a Monte Carlos e a Sistema Lotérico de Pernambuco foram condenados em primeiro grau no âmbito da Operação Zebra, deflagrada em 2007, por manter empresas exploradoras de jogo de bicho e outros jogos de azar.

Canhotos de jogo do bicho na banca Monte Carlos, em Pernambuco, levantados pela Polícia Civil Foto: Reprodução

Na época, a investigação do Ministério Público Federal e da Receita Federal apontou crimes como contrabando, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção. Estimavam-se R$ 136 milhões sonegados entre 2002 e 2007. Ferreira da Silva foi absolvido posteriormente pelas instâncias superiores e o processo transitou em julgado em 2016.

Defesa diz que empresas são regulares e defende legalização do jogo do bicho

A reportagem enviou o relatório de inteligência ao advogado Augusto Castro. Ele afirmou que “cuida-se, aparentemente, de investigação de combate ao jogo do bicho, no qual inexiste qualquer ligação com a empresa Sistema Lotérico de Pernambuco assim como de outras empresas”. Disse, ainda, que todas as empresas vinculadas a Ferreira da Silva são “devidamente regulares”, com algumas já extintas, “mas com a devida lisura fiscal e comercial”.

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“É de se observar que a ‘Operação Zebra’, às quais fazem menção, o Poder Judiciário, através do Tribunal Regional Federal da 5ª Região e Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou, em unanimidade, a absolvição de Carlos Alberto”, destacou.

O representante jurídico de Ferreira da Silva também destacou que há um projeto de lei que regulamenta o jogo do bicho com possibilidade de aprovação no Senado em 2025 e disse que, no âmbito do Judiciário, o tema tem sido tratado como questão “meramente de Direito administrativo do Estado” e ainda está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).

Castro também frisou “a importância da legalização destes tipos de jogos no Brasil, notadamente pela arrecadação fiscal ao erário e geração de empregos”.

“Quanto à empresa Sistema Lotérico de Pernambuco é de propriedade do Sr. Carlos Alberto há muitos anos, embora ela estivesse sem qualquer atividade nas últimas décadas”, disse.

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Outra banca do bicho obteve liberação na Justiça

A Monte Carlos apareceu na mesma investigação que atingiu outra banca do jogo do bicho, a Caminho da Sorte. Esta, segundo desdobramentos do inquérito policial, é suspeita de lavar dinheiro por meio da Esportes da Sorte, uma das principais casas de apostas do País.

O Ministério da Fazenda indeferiu o pedido feita pela bet alegando, principalmente, inidoneidade. A empresa foi a Justiça e obteve na sexta-feira, 10, liminar que afastou o principal fundamento considerado para barrar o pedido de regularização. A decisão foi de um juiz de primeiro grau da 4ª Vara Federal do Distrito Federal e a União ainda pode recorrer.

A Esportes da Sorte nega envolvimento com o jogo ilegal e afirma não ter relação com a banca Caminho da Sorte.

O responsável pela casa de aposta é o empresário Darwin Henrique da Silva Filho. A polícia diz que o responsável pela banca do bicho é o pai dele, Darwin Henrique da Silva. A defesa do pai foi procurada pela reportagem e não quis se manifestar.

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