No domingo passado, sete navios estrangeiros vindos das Filipinas, Croácia e Rússia estavam ancorados perto da praia fluvial da Vila do Conde, em Barcarena, no Pará, para buscar minério no complexo industrial Albras-Alunorte, ligado à Companhia Vale do Rio Doce. Taís, de 22 anos, pagou US$ 5 a um barqueiro local para navegar com ela e outras seis meninas para perto dos navios e convidar marinheiros para fazer programas. "Falamos em inglês e os convidamos para vir para a praia. O programa sai por US$ 50 e é uma das principais fontes de renda das meninas daqui da cidade", afirma Taís, que começou a se prostituir aos 15 anos. A 2 quilômetros da praia da Vila do Conde, vive Francicléia Félix Alves, de 44 anos, mãe de cinco filhos, entre eles L., de 15, presa em outubro numa cela com 20 homens em Abaetetuba, cidade vizinha. Francicléia chegou à Vila do Conde em 1984, um ano antes da inauguração da Albras, em busca de bons empregos. Por falta de estudo, não conseguiu e ainda teve de enfrentar os problemas de uma cidade que ainda não parecia pronta para o progresso. "Quando o porto abriu ficou difícil para criar as meninas por aqui. Eu trabalhava na roça e nunca tive preguiça de pegar na enxada. Mas, com a falta de emprego, hoje as meninas parecem que preferem o dinheiro fácil e vão para a prostituição", diz Francicléia, enquanto cuida da neta Vitória, de 2 meses, filha de uma de suas filhas, de 14 anos, em um barraco pequeno e abafado, que divide com outras 11 pessoas. Pelo menos com L., Francicléia acabou perdendo a batalha. Vivendo nas ruas e prostituindo-se desde os 12 anos, viciada em drogas, a menina, apelidada de Cartucheira, acabou presa em Abaetetuba. Com a anuência da Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário, ficou entre os presos numa cela que pode ser vista da rua pela população, escancarando a tolerância da sociedade com aberrações cometidas pelas autoridades. Mas o caso se tornou público e chocou o País. Na madrugada de ontem, L. deixou o Pará. Deve ser incluída num programa federal de proteção a crianças e adolescentes. "Isso ocorre faz tempo, mas eles não percebem que estavam cometendo um erro que poderia chocar os outros. Estão acostumados a enfrentar o crescimento da violência sem respeitar direitos de jovens e mulheres, que são presos em celas de homens porque não existem outros lugares para ficarem", diz o coordenador da Pastoral do Menor, André Franzini. "Como era uma menina pobre e prostituta, achavam que ninguém iria ligar."
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