Mobilização nas redes busca blocos extraoficiais no carnaval, sobretudo no Rio

Situação ganhou força com difusão de imagens de aglomerações em festas privadas, enquanto as públicas não são permitidas; tamanho de eventos clandestinos é incerto

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“Pelo que entendi, não vai ter carnaval, mas vai ter carnaval”, dizia uma postagem que viralizou há dias na internet. Com o veto de governos para os festejos na rua, a mobilização por desfiles extraoficiais tem crescido nas redes sociais, especialmente no Rio. A expectativa é por cortejos quase secretos, sem equipamento de som e com divulgação inexistente ou apenas minutos antes do início, a fim de evitar multidões e problemas com a polícia e a prefeitura.

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A movimentação ganhou força com a difusão de imagens de aglomerações em festas privadas – enquanto as públicas não são permitidas – como uma forma de “resistência” à “camarotização” da data. Especialistas ouvidos pelo Estadão destacaram, contudo, que a transmissão da covid-19 ainda é alta neste momento e o poder público deveria ter cancelado o ponto facultativo e desautorizado festejos neste período, tanto público quanto privados. Em Pernambuco, por exemplo, onde festejos não serão tolerados, a movimentação tem menos força.

A situação já levou a Prefeitura do Rio a se infiltrar em grupos de aplicativos de troca de mensagens para identificar possíveis blocos clandestinos. Na última semana, a gestão Eduardo Paes (PSD) diz ter encerrado dois desfiles do, porém há relatos de outros não identificados. Um evento do tipo também chegou a ser registrado em Salvador.

Na prática, os prováveis cortejos não terão estandartes ou identificações de agremiações, para evitar sanções. Há discussões sobre optar por circuitos menos visados e horários alternativos, mas o resultado e o tamanho da adesão ainda são difíceis de mensurar.

Há a possibilidade deste ano repetir 1892 e 1912, quando a determinação de adiamento resultou em celebrações na data tradicional e na transferida. No primeiro caso, a motivação também foi sanitária, com o entendimento de que o verão seria uma época propícia à transmissão de doenças, especialmente a febre amarela. O outro foi motivado pela morte do Barão de Rio Branco, patrono da diplomacia, dias antes da festa.

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As tradicionais listas com a programação dos quatro dias de carnaval deste ano estão apenas com os eventos autorizados, as festas privadas, tanto as gratuitas quanto as pagas. “Eu vou ter de ficar fantasiada o dia todo só esperando o momento de anunciarem o bloco clandestino surpresa?”, chegou a indagar uma foliã.

Em redes sociais, são constantes as publicações de foliões atrás de datas e roteiros de desfiles de rua. As respostas são em grande parte de outras pessoas falando que buscam a mesma informação ou dizendo que irão avisar por mensagem privada.

Tanto a participação em festas privadas quanto os cortejos informais não são unanimidade entre os blocos. Parte deles decidiu não se envolver com nenhum evento carnavalesco. O Sereias da Guanabara, no Rio, por exemplo, comunicou que “seguirão quietinhas, dentro de nossas conchas” e a liga que integra está em diálogo com a prefeitura para desfiles de rua em abril. A decisão foi elogiada por parte dos foliões.

'Há uma vontade de festejar reprimida'

“Gente disposta a viver carnaval, claramente tem. Nas festas do pré-carnaval já tem muita gente fantasiada. Daqui até abril, vai crescer cada vez mais o número de (celebrações de) blocos na cidade. O Rio já tinha o hábito de ter bloco o ano inteiro”, comenta o pesquisador de carnaval e doutorando em Artes na Uerj, Tiago Ribeiro. “Há uma vontade de festejar reprimida.”

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Grande parte dos grupos apoiou o cancelamento do carnaval de rua deste ano, por causa do avanço da Ômicron, porém o início de um possível declínio da transmissão e a multiplicação de eventos privados acabaram endossando o discurso de que o poder público liberou o carnaval para “os ricos”.No caso do Rio, essa posição se fortaleceu pelo próprio histórico da cidade, que tem uma abertura do carnaval não oficial desde 2009 (quando as inscrições passaram a ser exigida pelo Município), por exemplo.

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São comuns desfiles não autorizados na capital fluminense,  blocos“piratas” e “secretos” (sem divulgação ampla), no geral tolerados pelo poder público (salvo exceções), como lembra o pesquisador. Por outro lado, a postura dificulta a participação de foliões de fora dos bairros centrais e da zona sul.

Além da questão dos festejos, Ribeiro avalia que a insistência de realizar o carnaval na rua também tem uma natureza de disputa do espaço público. “É uma linha tênue entre bloco, festa de rua, protesto. Tudo se mistura muito no carnaval não oficial”, comenta. Em outros momentos, parte das agremiações já havia se posicionado contrária a tentativas anteriores de prefeitos para criar espaços delimitados de desfiles, como “blocódromos”, o que iria contra a natureza da festa.

Para ele, assim como a iniciativa da prefeitura em exigir a inscrição para 2009 impulsionou a criação da abertura não oficial em janeiro, a decisão em liberar apenas eventos privados também pode ter potencializado a realização de desfiles clandestinos em 2022. Ressalta, contudo, que a disputa não é polarizada entre blocos e poder público, pois há diferentes grupos de agremiações, com posturas variadas e alguns com diálogo mais próximo do poder público.

Também pesquisador do tema e doutorando em Sociologia na USP, Vinicius Ribeiro Teixeira considera que este será um carnaval compreendido apenas mais adiante. “Está colocando muitas questões para todo mundo, para os blocos, os gestores públicos, os foliões”, pondera. Em 2021, a data esteve mais restrita a eventos virtuais por causa da segunda onda da covid-19.

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Para Teixeira, a falta de unidade na decisão de municípios e Estados colaborou para o cenário de incertezas atuais, especialmente pela manutenção do ponto facultativo em parte das principais cidade, a permissão das festas privadas e o cancelamento total dos desfiles de rua (em vez do adiamento, como foi com as escolas de samba).

“A gestão pública tem uma enorme dificuldade de entender duas das principais características do carnaval de rua: a espontaneidade e a criatividade”, comenta. Na avaliação do pesquisador, por mais que as festas privadas atraiam uma parte dos foliões, é o carnaval de rua que está há anos em ascensão, justamente por ocorrer nos espaços públicos e criar um “senso de comunhão".

Prefeitura de São Paulo diz que chamará PM se identificar bloco clandestino

Procurada pelo Estadão, a Secretaria Municipal de Ordem Pública do Rio disse que “monitora, por meio do setor de inteligência, eventos irregulares para que não haja transtornos na cidade” e que a Guarda Municipal atuará “na desmobilização desses eventos”. “Os órgãos destacam ainda que contam com a conscientização e a colaboração da população para evitar participar de eventos do tipo”, destacou.

Já a Prefeitura de São Paulo disse que acionará a Polícia Militar em caso de identificação de blocos clandestinos. O governador João Doria (PSDB) havia declarado em coletiva de imprensa na quarta-feira que “não é desejável” a realização de eventos carnavalescos, tanto públicos quanto privados, mas que a decisão seria exclusiva dos municípios, que poderiam acionar a polícia em caso de descumprimento de determinação.

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“A orientação do Governo do Estado é que não houvesse nenhum tipo”, disse. Em outros momentos da pandemia, contudo, decisões estaduais determinaram a proibição de festas e grandes eventos em todo o território paulista.

Desfiles no sambódromo do Rio serão apenas em abril; blocos de rua estão proibidos na cidade Foto: Antonio Lacerda/EFE

Blocos da Bahia e de Pernambuco buscam alternativas

Longe dos circuitos das festas privadas, blocos tradicionais de destinos cobiçados do carnaval no Brasil, como Bahia e Pernambuco, buscam alternativas para manter atividades diante do segundo ano sem ir às ruas. Os governos desses Estados optaram pelo cancelamento total dos eventos públicos e colocaram restrições para shows menores.

Na ausência de trios elétricos em Salvador, festas particulares com capacidade para no máximo 1.500 pessoas, conforme o decreto do governo do Estado, estão sendo anunciadas na cidade e em redes sociais. Entre os nomes confirmados há atrações de grande apelo midiático e comercial, como Bell Marques, Saulo Fernandes e Durval Lelys.

Fora desse centro imediato de opções está o bloco Cortejo Afro, com ensaios abertos no Pelourinho. O governador Rui Costa (PT) proibiu eventos nas ruas até o dia 2 de março. A medida inclui especialmente todas as ações carnavalescas.

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Sedes de duas das folias mais desejadas do país, as cidades Recife e Olinda seguiram as determinações do governo estadual e também cancelaram o carnaval de rua de 2022. Com isso, este será o segundo ano de abstinência dos 400 integrantes do tradicional bloco Homem da Meia Noite, criado há 90 anos.

“Estamos sobrevivendo com trabalho, utilizando muito a força da nossa marca”, disse Luiz Adolpho, presidente do clube. “O Homem da Meia Noite é muito coerente em sua posição, abraçamos a vida e entendemos a situação. O mais complexo em todo este momento da pandemia é lidar com o emocional ao ver tanta gente querida partindo.”

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