CAIRO - A mobilização que resultou na prisão, no último domingo, 30, do médico brasileiro Victor Sorrentino no Egito foi fruto de um movimento iniciado por brasileiros e expandido por ativistas feministas egípcias. Essa articulação fez com que as ofensas verbais contra uma vendedora de papiros da cidade de Gizé, divulgadas pelo médico em suas redes sociais, chegassem a autoridades do país, que agora o acusam formalmente e estenderam a sua prisão.
Na publicação, o médico filma a vendedora enquanto ela demonstra o processo de produção do papiro. "Elas gostam é do bem duro. Comprido também fica legal, né?", ele diz à mulher em português, referindo-se ao galho de papiro que ela segurava. A vendedora sorri, constrangida, sem entender o que o médico dizia.
Um dos primeiros a se mobilizar foi o empreendedor e pesquisador do setor de cerâmica Fabio Iorio. "Eu não o conhecia. Uma grande amiga minha pediu para eu entrar no perfil dele, porque ela tinha interesse em comprar um de seus infoprodutos. Eu entrei sem pretensão alguma, só para assistir aos stories e ver sobre o que ele falava", contou Iorio ao Estadão.
O empreendedor diz ter ficado chocado com as imagens publicadas pelo médico. "Mandei uma mensagem no privado dizendo que aquilo que ele estava fazendo era uma agressão e que ele deveria reconsiderar aquilo e deletar o vídeo. Ele deu print nas telas da minha mensagem e postou nos stories seguintes."
Após ter suas mensagens expostas, Iorio repostou o vídeo de Sorrentino nos seus stories e marcou alguns ativistas e jornalistas brasileiros. O vídeo viralizou nas redes sociais e chegou até a empreendedora Luciana Cristina, que decidiu encontrar a mulher assediada pelo médico.
Cristina entrou em contato com um colega que trabalha no setor de turismo no Egito e pediu ajuda para localizar a loja de papiro. Por recomendação deste colega, conheceu a Speak Up, uma iniciativa feminista voltada para o suporte de vítimas de violência no país.
"Entrei em contato com a Speak Up por direct e expliquei tudo o que estava acontecendo. (A responsável pela página) tomou conhecimento de tudo ali na hora, ainda não sabia o que estava acontecendo", disse Cristina.
Após receber as informações, a ativista egípcia e fundadora da Speak Up, Gehad Hamdy, rapidamente expôs o caso nas redes sociais. O vídeo de Sorrentino viralizou no país e gerou grande comoção.
"Os egípcios ficaram muito bravos ao ver uma garota sendo assediada daquele jeito na frente de um milhão de pessoas (que seguem o médico no Instagram) sem nem se dar conta. Ela não teve a oportunidade de se defender. Isso foi o suficiente para que todos aqui se recusassem a deixar este homem vagar livremente em nosso país", Hamdy disse ao Estadão.
O Egito passa por uma forte mobilização popular contra casos de assédio e violência sexual desde 2020, quando um estudante universitário foi preso após cerca de cem meninas e mulheres o terem acusado de assédio, estupro e chantagem.
Assim como em outros casos de assédio, ativistas egípcios chamaram a atenção das autoridades por meio do uso de hashtags e menções nas redes sociais. "A Unidade de Acompanhamento e Análise de Dados do Ministério Público acompanha as mídias sociais e os casos expostos", disse Hamdy.
A vítima, cuja identidade é protegida pela lei egípcia, foi localizada e chamada para depor. Ela informou ao Ministério Público que o médico brasileiro a procurou um dia depois de a ter assediado para se desculpar, novamente filmando-a sem seu consentimento.
MP renova detenção e apresenta acusações
O Ministério Público do Egito renovou na tarde desta terça-feira, 1º, a detenção preventiva de Sorrentino por mais quatro dias. Ele foi formalmente acusado de expor a vítima a insinuação sexual verbal, cuja pena é de 6 meses até 3 anos de prisão e multa não inferior a EGP 5.000 (cerca de R$1.643), ou uma das duas penalidades; transgressão contra os princípios e valores familiares da sociedade egípcia, com pena mínima de 6 meses de prisão e multa não inferior a EGP 50.000 (cerca de R$16.429), ou uma das duas penalidades; violação da santidade da vida privada da vítima e uso de conta digital privada para cometer esses crimes, ambas acusações também sujeitas a pena mínima de 6 meses de prisão e multa não inferior a EGP 50.000, ou uma das duas penalidades.
Se acusado de assédio sexual, o médico também pode ser condenado a um mínimo de 6 meses até 3 anos de prisão e multa não inferior a EGP 3.000 EGP (cerca de R$985), ou por uma dessas duas penalidades.
Após a repercussão, Sorrentino apagou o stories, postou outro pedindo desculpas e dizendo que foi apenas uma "brincadeira", além de ter restringido o acesso ao perfil, que antes era público.
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