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Conheça Esperança Garcia, mulher preta e escravizada, reconhecida como a 1ª advogada do Brasil

Em carta ao governo da Capitania do Piauí, ela denunciou os maus-tratos contra mulheres e crianças no século 18

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Por Stéphanie Araújo
Atualização:

Defensora dos direitos das mulheres e das crianças, Esperança Garcia escreveu o primeiro “habeas corpus” que se tem registro no Brasil. Pela sua atitude, a autora recebeu um reconhecimento póstumo do Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) como primeira advogada do País. Ela já havia sido reconhecida pela seccional da OAB no Piauí em 2017 como a primeira advogada do Estado.

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Escravizada no século 18, em Oeiras, no interior do Piauí, Esperança tinha apenas 19 anos quando enviou uma carta ao então governador da Capitania, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro. Ela denunciava os maus-tratos que mulheres e crianças sofriam na fazenda em que vivia e pedia que providências fossem tomadas.

A carta de Esperança foi documentada pelo historiador e antropólogo Luiz Mott em 1979 e, desde 1999, o dia 6 de setembro, data de escrita do texto, é considerado Dia Estadual da Consciência Negra no Piauí.

“Reconhecer a Esperança Garcia como primeira advogada negra e dar essa visibilidade à carta é colocar essa população como protagonista da sua história”, afirma a historiadora Raquel Costa, que compôs a Comissão Estadual da Verdade e da Escravidão Negra da OAB-PI e fez parte da construção do dossiê que traz a história de Esperança.

“Tirar essa ideia de uma escravidão amenizada, de que esses escravos só sofriam violência e eram passivos diante do sistema. A carta mostra essa subjetividade de uma mulher negra escravizada e protagonista de toda a sua história”, acrescenta.

A aprovação do Conselho Federal ao reconhecimento de Esperança foi anunciada pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, no último dia 25.

Reparação

Para Élida Machado, conselheira federal da OAB pelo Estado do Piauí, o reconhecimento de Esperança Garcia é uma reparação histórica. “Isso significa que nós lamentamos todo o sofrimento que foi imposto a essa população historicamente e que nós estamos dispostos a buscar instrumentos que viabilizem a promoção da igualdade no âmbito da OAB, da advocacia e em toda a sociedade”, explica.

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Além do reconhecimento, o órgão também decidiu pela construção de um busto da personalidade no salão principal da sede do Conselho Federal. “Para que nós tenhamos uma presença concreta da Esperança Garcia e de toda a Esperança que move a advocacia”, afirma Élida.

A pauta foi levada ao conselho pela então presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada (CNMA) e hoje presidente da OAB-BA, Daniela Borges, e a então presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade (CNPI) da OAB, hoje conselheira federal Silvia Cerqueira (BA).

Ainda na gestão 2018-2022, as duas fizeram o requerimento em nome da história de Esperança Garcia e o pedido foi apoiado pelas atuais presidentes dos órgãos, Cristiane Damasceno, na CNMA, e Alessandra Benedito, na CNPI.

Estátua em homenagem a Esperança Garcia, em Teresina, capital do Piauí. Foto: Moacir Ximenes/Central de Artesanato Mestre Dezinho

A história de Esperança

De acordo com dossiê Esperança Garcia: Símbolo de Resistência na Luta pelo Direito, organizado pela advogada Maria Sueli Rodrigues de Souza e pelo historiador Mairton Celestino da Silva, Esperança Garcia tinha 19 anos quando as terras em que vivia no interior do Piauí foram doadas aos Jesuítas e sua família, separada.

Casada desde muito nova, Esperança dividia a vida com o marido também escravizado Ignácio Angola. No entanto, após a fazenda de algodões passar a ter outro dono, ela foi enviada junto com dois de seus filhos para ser cozinheira em outra casa.

Em sua carta, Esperança relata abusos que sofria junto com suas crianças, além do impedimento de se confessar na igreja junto com outras mulheres com quem vivia.

“Peço a Vossa Senhoria pelo amor de Deus ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar ao procurador que mande para a fazenda aonde me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha”, escreveu.

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O fim da história nunca foi conhecido e confirmado, mas, em alguns documentos que vieram à tona anos depois, uma mulher escravizada de nome Esperança, de 27 anos, casada com o também escravo africano Ignácio, de 57, aparece na listagem de uma fazenda de algodões na década de 1770.

Também estavam listadas cinco crianças escravizadas entre 1 e 9 anos, mas não se sabe ao certo se eram os filhos do casal.

A natureza jurídica da carta

O dossiê explica que a carta de Esperança continha uma natureza jurídica tanto pelo autorreconhecimento da autora como membro da comunidade política, como no caráter de peticionamento no documento.

A advogada Andreia Marreiro, que também contribuiu no dossiê, acredita que a história mostra como o Direito está em constante disputa. “Ele tanto serve para manutenção das relações de poder e opressão, como também é acionado pelos grupos historicamente silenciados e invisibilizados que tiveram os direitos negados”, afirma.

“Os direitos que a população negra hoje tem foram conquistados, e não dados. Aprendemos que a abolição da escravidão foi dado por uma pessoa branca, quando na verdade você tem essa liberdade e dignidade reivindicada e conquistada pelo movimento negro, pelo protagonismo dessas pessoas que se insurgiram diante daquilo e lutaram”, acrescenta Andreia.

Élida destaca que se trata de um reconhecimento simbólico, sem implicações jurídicas, mas um resgate histórico. “O que a conecta com a advocacia é a ousadia de buscar defender os direitos humanos e reivindicar seus direitos individuais e das pessoas ao seu redor.”

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