Diretora da Redes da Maré e professora visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), Eliana Sousa Silva argumenta que tragédias como a de Paraisópolis, ocorridas a partir de ações policiais, explicitam uma conduta do Estado que deve ser combatida: a de criminalizar a população e as manifestações culturais da periferia. Após ação policial que terminou em tumulto na comunidade da zona sul paulistana, nove jovens morreram. Moradores acusam a Polícia Militar de agir com truculência, o que é negado pela corporação.
Que tipos de falhas do Estado ficam claras em episódios como o ocorrido em Paraisópolis?
O que aconteceu em Paraisópolis acontece de maneira muito recorrente em favelas e periferias de todo o País. A polícia costuma chegar de maneira truculenta, muito desrespeitosa, em uma posição de enfrentamento e com pouca inteligência. Mas tem o aspecto também de criminalizar o baile funk, uma atividade cultural artística que tem origem na periferia. Há um processo de criminalização da manifestação cultural dessa população, uma confusão entre o que é atividade ilícita e criminosa que acontece nesse território e o que é apenas um evento cultural onde jovens estão querendo se divertir. Há muitos outros eventos culturais na cidade onde as pessoas usam drogas também, mas, fora da periferia, a abordagem da polícia não acontece da mesma forma.
Tem o aspecto também de criminalizar o baile funk, uma atividade cultural artística que tem origem na periferia
Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré e professora visitante do IEA-USP
Quais seriam as maneiras mais eficientes de coibir atividades criminosas nesses espaços sem colocar em risco os frequentadores desses eventos?
Em primeiro lugar, é preciso que o poder público repense sua forma de atuar nas periferias. Não pode ser sempre de forma violenta, com medo estabelecido. E não se pode criminalizar toda manifestação cultural que ocorre na periferia como se ela estivesse sempre ligada a grupos criminosos. Atividades ilícitas devem ser combatidas com ações de inteligência. É absurdo fazer uma ação num evento com 5 mil pessoas com o argumento de que duas pessoas teriam atirado.
É absurdo fazer uma ação num evento com 5 mil pessoas com o argumento de que duas pessoas teriam atirado
Eliana Sousa Silvaa, diretora da Redes da Maré e professora visitante do IEA-USP
Essa criminalização da manifestação cultural da periferia também tem impacto na definição de políticas públicas culturais?
Acho que elas são influenciadas por essa perspectiva preconceituosa sobre a periferia. Se a gente tivesse espaços públicos para a realização de atividades culturais como um baile funk, com tratamento acústico, maior segurança, o cenário seria outro. O Estado deveria olhar para essas demandas e construir espaços de arte e cultura que contemplassem esse tipo de manifestação cultural, mas hoje esses equipamentos públicos não existem e a rua vira uma opção.
Se a gente tivesse espaços públicos para a realização de atividades culturais como um baile funk, com tratamento acústico, maior segurança, o cenário seria outro
Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré e professora visitante do IEA-USP