Vamos encontrar Wellington Muniz, o Ceará, em uma loja de Sylvia Design, a quem ele entrevistará dali a alguns minutos, no bairro do Carandiru, zona norte de São Paulo. Ostenta lentes de contato azuis, cílios postiços, pancake e brilho nos lábios. Só aguarda a chegada da peruca loira que o transformará em Gabi Herpes, uma das tantas personagens que ele interpreta em sua nova série no Multishow, Ceará Fora da Casinha – estreia dia 25, às 23h, com exibição de segunda a sexta. Segundo programa solo seu, ambos para o canal pago, a atração é toda gravada em externas – o que convém ao nome. E exige do humorista uma disciplina e concentração inimagináveis para quem está do outro lado da tela, pronto para rir. Vem o cabeleireiro, ajeita as madeixas de Gabi Herpes. Foto daqui, foto dali, Ceará faz caras e bocas para posar com a entrevistada, a também cearense Sylvia, que do zero construiu um império de lojas de móveis. Por fim, Ceará ajeita a prótese de herpes que dá nome à caricatura de Marília Gabriela e que logo mais será arrancada por ele em cena, sem cerimônia. Ceará faz rir só de a gente olhar a figura. Irreconhecível, poderia fugir da polícia, sem deixar suspeitas. “Eu fico muito diferente?”, duvida. “Muito!”, responde o coro da equipe a sua volta.
“Não me acho engraçado”, diz, como todo gênio, sobre seu ofício. “Sou muito crítico. Quando me vejo, vou achar alguma coisa que posso melhorar. Digo: ‘essa piada não ficou no tempo certo’, ‘essa voz pode ser melhor modulada’. Mas também, quando acho alguma coisa legal, vou vibrar, senão fica um sofrimento e acaba contagiando a equipe. A minha mulher me acha engraçado, algumas pessoas me acham engraçado.” Sylvia também ri de Gabi herpes. Esbanja suas curvas num pretinho colado ao corpo, que deixa vazar parte da lateral e das costas. “E esses olhos seus, são de verdade ou são lentes, como os meus?”, pergunta-lhe Gabi. “São iguais aos seus”, ela responde, sem medo da sinceridade. Gabi retoma: “E essa bunda, também é postiça?” “Ah, não, essa é minha mesmo!”, orgulha-se Sylvia. Antenado, Ceará foge do script, aproveita as deixas da entrevistada para emendar outras questões. E tanto se entretém, que a voz de Gabi Herpes às vezes vai engrossando, cedendo espaço ao timbre do próprio Wellington, que logo retoma o tom da apresentadora. Em dado momento, Sylvia dá uma resposta que pode ser mal interpretada pelo público, e o próprio Ceará, em vez de se aproveitar do deslize para zombar da entrevistada, como faria nos idos do Pânico, dá-lhe um toque. “Vamos fazer isso de novo”, pede. “Não é o DNA do programa, como é do Pânico, zoar a pessoa. Ela sabe se vender bem, e eu acho isso interessante. Também sou um cara que vende o seu produto. Uso redes sociais e falo pra todo mundo do ceará Fora da Casinha.” Cioso de sua presença no Instagram e afins, Ceará posta teasers do programa, celebra as publicações sobre o que vem aí e não se acanha em postar também vídeos e fotos da filha, Valentina, de 1 ano e meio. Em poucos dias, promete, lançará um site, oceara.com.br, onde publicará cenas de backstage e outras micagens que não serão vistas na tela da TV.
Só nessa temporada, Gabi Herpes conversa com PC Siqueira, Mari Moon, Roberto Leal e Preta Gil. Da conversa com Sylvia, Gabi faz uma chamada para a entrada de Regina Ralé, tributo a Casé, de uma sequência já gravada nas cercanias da movimentada Rua 25 de março. Regina também visitará Andréa Nóbrega, ex-mulher de Carlos Alberto, em sua casa, em Alphaville, no episódio sobre os milionários – as edições são todas temáticas. Quantos personagens estarão em cena? “Eu não fico contando”, ele fala. “Tem personagens autorais e tem as imitações. Tem o padre Fábio Jr. de Melo, isso não é imitação, a gente bola licenças, digamos. Na hora a gente diz: ‘Vamos fazer um padre? Então vamos fazer o padre Fábio de Melo com Fábio Jr.’”, explica, passando os dedos nos cabelos, ao modo do cantor. Tem ainda um monge, um mix de Bethânia com Caetano, dupla sertaneja e outros tantos, além, é claro, daquele que o tornou mais famoso, Silvio Santos. “O Silvio é generoso comigo demais. Muita gente acha que o Silvio não gostava de mim, mas não tem isso. O Silvio é tão legal comigo que no ano passado eu fui lá no Jogo das Três Pistas. Quando eu começo a admirar mais a pessoa, fico mais caprichoso na interpretação.” Cauteloso com a imagem que reproduz de figuras reais, Ceará sabe que a caricatura é inevitável, faz parte do show, mas “tem que tomar cuidado para não exagerar na tinta, senão vai borrar”. “Quando você faz um personagem com imitação, tem que dar o que você acredita, senão não fica nada.” Gravado entre abril e julho, Ceará Fora da Casinha pediu uma rotina que tirava o humorista da cama às 7h. Chegava na sede da Formata, produtora do programa, lá pelas 8h, quando se submetia à caracterização do primeiro personagem do dia. “Às vezes a equipe vai em casa e eu me maquio lá mesmo. Saio quase pronto. Hoje, na correria, acabei esquecendo o esmalte ou unha postiça.” Com contrato com o Multishow até abril de 2017, Ceará só pode circular à vontade por canais abertos, sem outras brechas na TV paga. Enquanto a série estiver estreando, quer retomar os shows, mais ou menos como fazia no Ceará, antes de conseguir um lugar ao sol no rádio. Levará algumas perucas e apetrechos para cima do palco, a fim de revezar cantorias, imitações e contações de histórias. Se tem uma coisa que tira o humor de Wellington Muniz é a tal cartilha do politicamente correto. Celebra as conquistas do Porta dos Fundos, Tá no Ar e do próprio Pânico, onde esteve por quase 18 anos, certo de que a internet ajudou, e muito, a desatar alguns nós criados nos últimos anos pela TV. Mas não quer saber de pensar dez vezes antes de contar uma piada. “Se a gente quer ser um país de primeiro mundo, vamos nos espelhar nos Estados Unidos, porque lá ninguém se leva a sério, você pode fazer tudo. O Obama vai a um programa, o cara imita o Obama na cara dele, o cara zoa com ele, ele se pinta... Aqui não dá pra fazer nada. Até porque, a gente aqui que trabalha com humor não consegue competir com os políticos. Alguns políticos são mais engraçados que a gente, mas eu mesmo não estou não acho nada engraçado.”
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