O atentado às torres gêmeas abriu o caminho para que Jorge Bergoglio se tornasse papa. A ação da Al-Qaeda inaugurou o novo século ao destruir o World Trade Center e permitiu ao argentino recém-nomeado cardeal se tornar conhecido e reconhecido pelos seu colegas.
O papa João Paulo II havia convocado o primeiro sínodo do milênio em 2001. Queria que os bispos que fossem à reunião se esforçassem para serem pobres e, assim, críveis aos excluídos. O relator-geral seria Edward Egan, o cardeal-arcebispo de Nova York, mas o ataque terrorista obrigou-o a permanecer na cidade ao lado de seu rebanho. Bergoglio assumiu, então, seu posto. Abriram-se assim as portas das cúrias de todos os continentes ao argentino. De fato, ao término do sínodo, o trabalho de Bergoglio na reunião o fez ser o mais votado pelos seus 252 pares para representar a América no conselho pós-sinodal.
Quatro anos depois, quando João Paulo II morreu, os integrantes do colégio cardinalício pensaram em Bergoglio. O argentino de modos simples - que preferia o metrô aos carros oficiais para ir ao trabalho - recebeu cerca de 40 votos no conclave. Foi uma renúncia de Bergoglio que decidiu o pleito a favor de Joseph Ratzinger: ele pediu aos colegas que desistissem de sua candidatura e votassem em Bento XVI. Quase oito anos depois, este renunciou, e o novo conclave escolheu o argentino de 76 anos.
Filho de um imigrante italiano, o ferroviário Mario Bergoglio, e de uma neta de imigrantes da Itália, Regina Sívori, Jorge Mario Bergoglio nasceu em 1936 no bairro de classe média de Flores, em Buenos Aires. Foi técnico químico antes de entrar para a Companhia de Jesus. Nos anos 1970, durante a ditadura militar, viu a amiga Esther de Careaga ser sequestrada e morta. Depois, foi acusado de entregar padres aos militares, o que foi negado por um deles, Francisco Jalics. “É um jesuíta até a medula. Ele fala pouco. Ouve o dobro do que fala. E pensa o triplo do que ouve”, disse ao Estado um ex-embaixador argentino em Roma.
Bergoglio adotou o nome Francisco e resolveu canonizar João XXIII, dispensando a prova de um segundo milagre para fazê-lo santo. A mensagem não podia ser mais clara à Igreja: João XXIII convocou o Concílio Vaticano 2.º, o que levou à maior mudança em séculos na instituição, alterando a liturgia da missa, não mais rezada em latim e de costas aos fiéis.
Cedo. Francisco começa a fazer o mesmo no Vaticano. Todos os dias, às 4h45, escuta-se o alarme que vem do quarto 304 na residência Santa Marta. É o papa que desperta e com ele, obriga toda a Santa Sé a sair ao trabalho. Com a mesma velocidade com que vem adotando mudanças, Francisco fez surgir os primeiros críticos a seu estilo - grupos tradicionalistas o chamam de “populista”.
Depois de constatar que seus aposentos no palácio apostólico davam para abrigar “umas 50 pessoas”, optou pela Santa Marta, com quartos menores e sóbrios. Se o corte de gasto é um motivo, o argumento principal é de não ficar prisioneiro no próprio palácio. Ao viver fora dele, mostra que quem define sua agenda é ele, e não a burocracia da Santa Sé.
O papa estabeleceu uma missa antes das 7 da manhã, acompanhado por quem estiver na Casa Santa Marta naquele momento. Poucos arriscam não estar presentes. Seu dia, segundo auxiliares, é “intenso” e repleto de ligações, contatos, reuniões e tomadas de decisão.
Outra surpresa para os cardeais é o hábito de Bergoglio de seguir suas recomendações feitas em reuniões. Não são poucos os cardeais que se surpreendem ao receber, três ou quatro dia depois de uma audiência com o papa, um telefone do pontífice: “O senhor fez o que combinamos na reunião? Qual foi o resultado? Houve resistência? Quais são os próximos passos?”, contou um religioso brasileiro.
O papa modificou o código penal do Vaticano para reforçar a luta contra a corrupção e abusos sexuais, autorizou o congelamento dos bens de um religioso suspeito de lavagem de dinheiro, iniciou uma reforma no banco do Vaticano e prepara mudanças importantes na Cúria. Uma de suas metas é a de denunciar as contradições dentro e fora da Igreja. Na sociedade, a crítica à hipocrisia de países ricos, do capital e do poder marcam seus discursos.
Por fim, quer demitir dezenas de assistentes do Vaticano que, com fraque, são usados nas recepções papais. A decisão de não tirar férias obrigou outros a abortarem as suas. Essas reformas - tanto da burocracia quanto do modelo de promoção da fé - serão demoradas e a resistência a elas, importante. Ainda assim, o papa que só tem um pulmão já mexeu com os hábitos - por vezes centenários - do Vaticano.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.