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O capitalista de fé

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Estevam de Assis doa quase tudo o que ganha e está por trás de uma das redes de varejo mais assediadas do PaísCom uma pastinha debaixo do braço, brinde da última feira em que participou nos Estados Unidos, Estevam de Assis, 53 anos, deixa seu apartamento de três quartos, alugado, onde vive com a mulher. Veste uma calça e uma camisa surradas, uma das trinta peças que tem em seu armário. Não tem televisão nem computador em casa. Da garagem apertada, tira seu carro 1.0. A rotina de Estevam passaria despercebida não fosse um detalhe: ele é o empresário por trás de uma das redes de varejo mais assediadas do Brasil. Com 59 lojas e 12 postos de gasolina em Minas Gerais, Goiás e Bahia, o Bretas faturou R$ 2,1 bilhões no ano passado e é a maior cadeia de supermercados de capital 100% nacional. "Eu já aprofundei mais de 20 negociações de venda. O único sócio que eu quero é o BNDES", diz Estevam Assis, presidente e um dos acionistas do Bretas, em uma de suas raras entrevistas. O Bretas cresce muito acima da média do setor. Nos últimos seis anos, dobrou de tamanho duas vezes. Segundo cálculos do mercado, já vale mais de R$ 1 bilhão. É ou foi alvo de interesse de grandes redes, como Pão de Açúcar e Walmart, de fundos de pensão e de participação. Os últimos rumores dão conta de uma negociação para venda de um terço da rede, por R$ 500 milhões, para o fundo Tarpon, que também é acionista relevante da grife de calçados Arezzo e da incorporadora Direcional.Assis confirma as conversas, mas diz ter receio de vender para estrangeiros. Criado em 2006 por brasileiros, o fundo da Tarpon que compra participação em empresas é voltado para investidores estrangeiros. O fundo não comenta os rumores do mercado. "Talvez a melhor solução hoje seja vender 20% das ações para eles (Tarpon) lançarem na Bolsa. O que me traumatiza hoje é dinheiro estrangeiro", diz Assis. "Mas eu te confesso que nunca estive tão desanimado para negociar."Num setor em profunda consolidação, o Bretas virou o alvo da vez. Em tamanho, só perde para Pão de Açúcar, Carrefour, Walmart e GBarbosa, que desde 2007 pertence à chilena Cencosud. Além de ser uma rede lucrativa e reconhecida pela eficiência de sua operação, o Bretas virou sinônimo de supermercado em cidades médias de Minas Gerais e Goiás.Em pouco mais de duas décadas, saiu de um pequeno armazém no interior mineiro - onde se matava até porco - para se tornar uma rede de 59 lojas. Neste ano pretende abrir outras 12. Como reinveste praticamente tudo o que sobra no caixa, financiou boa parte do seu crescimento com capital próprio. Mais: está estruturado para crescer. Seu centro de distribuição de Minas Gerais - um moderno galpão construído há dois anos com ajuda de ex-executivos de logística do Wal-Mart - está preparado para atender até 300 lojas, cinco vezes mais do que o tamanho atual do grupo. "O Estevam é um empresário extraordinário. Ele tem uma enorme capacidade de vender projetos, de agregar gente às ideias dele. O que mais me chama atenção é a velocidade com que tira ideias do papel", diz Altevir Magalhães, dono da rede de supermercados Modelo, de Cuiabá (MT). "Ele é querido, mas é duro nos negócios. Tem muita clareza na hora de negociar, sabe apertar o fornecedor. É muito habilidoso nisso." Para Helder Mendonça, fundador da marca de pão de queijo Forno de Minas, Assis é o típico mineiro astuto. "Quem começa uma negociação com ele, acha que Estevam é bobo, que vai levar a melhor. No fim, sai sem saber como perdeu."Criado nos anos 50 em Santa Maria de Itabira, cidade mineira com 6 mil habitantes, o Bretas era um armazém com sete funcionários e 170 metros quadrados quando Assis e o irmão Ildeu assumiram o negócio do pai. Naquela época com 29 anos, ele tinha acabado de voltar de Rondônia, onde trabalhou por dois anos como engenheiro de obras da Odebrecht. Antes, vivera uma experiência missionária, morando dois meses com índios numa tribo amazônica. "Meu pai queria fechar a loja depois de três anos seguidos de prejuízo. Ele disse que eu podia até quebrar, desde que nunca tivesse briga entre os irmãos", lembra. "No começo, nossa estratégia de crescimento era de urubu: comprávamos lojas que estavam fechando, quase de graça. Só em 1994, oito anos depois que assumimos, é que abrimos a primeira loja nova." O Bretas, com seus hipermercados compactos (entre 3 mil e 4,5 mil metros quadrados e 30 checkouts), ficou grande demais para a pequena Santa Maria de Itabira. Na cidade natal, restou apenas o centro de treinamento da companhia, que hoje emprega mais de 11 mil funcionários. É ali, num hotel fazenda, que Assis frequentemente dá sua palestra sobre a importância do amor nas empresas. Ele também viaja pelo País para falar sobre o tema. No ano passado, diz ter dado mais de 100 palestras. "A gente tem de ser duro com os problemas e suave com as pessoas. Muitas vezes elas erram porque estão no lugar errado, não foram treinadas ou motivadas o suficiente", diz.Os outros dez irmãos viraram sócios quando o Bretas abriu a terceira loja. Seguindo um conselho do sogro, Assis e o irmão dividiram o negócio em 12 partes iguais. "Foi a melhor coisa que fizemos. Se não fossem meus irmãos, o Bretas não teria chegado onde está", diz. "No conselho, todos têm voto igual."A família Bretas parece fazer parte de uma mesma congregação. O símbolo que os une é uma aliança preta no dedo anular esquerdo, sinal de compromisso com a simplicidade. "Isso é ideia da minha avó", explica Marcela Bretas, sobrinha de Assis e funcionária da rede. Para trabalhar na empresa, os herdeiros precisam atingir algumas metas: ter curso superior, pós-graduação, morar no exterior por um ano para aprender inglês, passar no curso e se formar como gerente, ser honesto e de bom relacionamento. Marcela foi a primeira a cumprir o regulamento.O jeito simples da família contaminou o negócio. Por causa disso, o Bretas é um supermercado de custo operacional baixo. Os executivos não são bem pagos. Eles não têm carro nem secretária. Por alguns anos, o salário do presidente foi de cinco mínimos. A sede da rede fica num prédio construído com blocos de concreto e chão de cimento. O escritório de Assis é o retrato mais fiel dessa cultura espartana. Não tem o menor charme - nem computador e telefone. "O computador está na cabeça dele", diz uma de suas quatro irmãs, conhecida pelo apelido de Tuquinha. Sob a mesa de metal, nenhum objeto. Papéis, só na primeira gaveta. "São documentos e desenhos de lotes que eu quero comprar. Sou um comprador compulsivo de lotes", diz Assis. Os lotes são a única manifestação de consumismo do empresário - se é que se pode dizer assim, já que a finalidade deles é garantir a expansão de lojas. Assis e a mulher fizeram voto de simplificação total de vida. Só gastam com o que é absolutamente necessário. Ele fica com apenas 5% dos rendimentos e doa o restante. "Não é voto de pobreza, porque não sou pobre", explica o empresário. "Mas eu não posso comprar mais nada. Se ganho uma camisa, tenho de doar outra do armário. Eu descobri essa alegria, essa liberdade de ser feliz precisando de pouca coisa."Hoje, gasta a maior parte do dinheiro pagando terapia para padres e freiras. No ano passado, construiu uma clínica de psicologia e bancou tratamento para 18 padres italianos. Só na clínica gastou R$ 7 milhões. Neste ano, promete pagar a terapia para 300 congregados de todo o País. Todos os membros da família e diretores da empresa são obrigados a fazer o tratamento, que custa cerca de R$ 2 mil. "Fiz essa terapia há 12 anos e minha vida mudou completamente", conta. "No começo não acreditava. Mas mudou a relação com meu pai, que eu achava que era boa e não era. Passei a comer verdura e a correr 16 quilômetros por dia." Não se trata de uma terapia qualquer, segundo Assis. "É um terapia nova, que mexe com o inconsciente das pessoas. Você volta no útero da sua mãe e vem consertando algumas coisas. Acredito que tudo o que meus antepassados viveram passa pra mim." O perfil de Assis é paradoxal. É, ao mesmo tempo, um capitalista que toca uma rede de crescimento agressivo e um homem generoso e de hábitos simples. "Quando fiz 50 anos, quis me aposentar e me dedicar à Igreja. Um bispo da comunidade me fez desistir, dizendo que aposentado a Igreja já tinha demais. Mas os empresários eram poucos e podiam ajudar muito", conta. Fica um pouco mais fácil entender a motivação de Assis com uma história que se passou entre ele e um diretor do BNDES. Certa vez, esse executivo perguntou o que Assis faria se o banco lhe desse uma quantia ilimitada de dinheiro. O empresário respondeu que teria 500 lojas no Brasil. O diretor questionou que isso só daria mais trabalho. Assis teria dito: "Deus me deu esse dom, de ser comerciante. E quanto mais lucro eu tenho, mais dízimo eu dou à Igreja. É tudo coerente."

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