Há 10 dias o brasileiro Nilvo Silva não vai ao seu escritório na Organização das Nações Unidas (ONU) em Nairóbi. Assim como outros estrangeiros que vivem na capital do Quênia, o brasileiro, que trabalha no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), teve sua rotina alterada pela recente onda de violência que tomou conta do país e que já deixou mais de 300 mortos. A própria ONU recomendou a seus funcionários que ficassem em casa desde o dia 24 de dezembro, já antecipando os confrontos que se seguiram às eleições presidenciais no país, realizadas no dia 27. "O país está horrorizado com o que está acontecendo. Há violência urbana no Quênia, assim como no Brasil. Mas colocar fogo em uma igreja cheia de crianças e mulheres não é algo que aconteça normalmente", disse Silva à BBC Brasil, por telefone, desde Nairóbi. Ele se referia ao episódio de violência na cidade de Eldoret, onde na terça-feira pelo menos 30 pessoas, a maioria crianças, foram queimadas vivas dentro de uma igreja. Desabastecimento Segundo o brasileiro, que mora na capital queniana há dois anos e meio, nem todos os bairros da cidade foram afetados pelos distúrbios, desencadeados por protestos contra o resultado das eleições presidenciais, vencidas pelo atual presidente, Mwai Kibaki, que foi reeleito para um segundo mandato de cinco anos. No entanto, mesmo nas áreas em que a violência não chegou é possível sentir os efeitos da crise que se instalou no país. "A cidade não está um caos. São pontos da cidade. São coisas horríveis, mas elas não acontecem na cidade inteira ao mesmo tempo. Há partes de Nairóbi que estão tranqüilas. Mas é óbvio que todo mundo está agindo com cuidado", disse Silva. "O sinal mais evidente de mudança é o desabastecimento. Nos supermercados, as prateleiras estão vazias, há escassez de certos produtos", disse. "Também há uma questão de logística de transporte. Com medo da violência, muitas pessoas acabam decidindo não ir ao trabalho, ou não colocar o carro na rua. As lojas estão fechando mais cedo. Os funcionários levam muito mais tempo pra chegar em casa." Surpresa Conforme o brasileiro, já era esperado que houvesse algum tipo de contestação dos resultados das eleições. No entanto, a intensidade da onda de violência pegou a população de surpresa. "O pessoal esperava uma eleição muito parelha. E de fato foi. Sabia-se que se um ou outro ganhasse seria uma diferença pequena. Já se esperava que houvesse contestação, e me parece que é uma contestação bastante legítima (a do principal candidato de oposição, Raila Odinga, que acusa o governo de fraude no pleito). Era esperado que houvesse problemas. Mas não nessa escala, de virar violência étnica", disse. De acordo com o brasileiro, a crise desencadeada pelas eleições surpreendeu principalmente porque o Quênia, que é a economia mais desenvolvida do Leste da África, é um país com instituições fortes. "O Quênia tem instituições fortes. Há um debate grande na imprensa, os meios de comunicação são bem críticos ao governo. É um país que está se desenvolvendo e, ao contrário de tantos outros países na África, consegue organizar eleições. Isso tudo é muito ruim para o país." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
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