A atriz e apresentadora Luana Piovani relatou na quinta-feira, 27, em sua conta no Instagram, que o ex-marido, o surfista Pedro Scooby, com quem tem três filhos, a processou na Justiça portuguesa. A indignação de Luana se deu ao encontrar imagens íntimas suas no processo. “Vi umas fotos minhas, nua, ali no meio do processo. Fiquei intrigada, não estava entendendo o que as minhas fotos nuas tinham a ver com o fato de ele querer que eu me cale”, disse.
O processo ocorreu após ela expor nas redes questões relativas à pensão por parte do pai de seus filhos. Durante o vídeo, Luana diz que sua advogada, Maria Cristina Câmara, a alertou do uso das fotos como forma de “desqualificá-la como mulher” para futuramente retirar a guarda das crianças.
A prática é conhecida como slut shaming: constranger uma mulher ao qualificá-la de vadia, uma ação que busca humilhar mulheres por sua sexualidade, prática ou comportamento sexual, seja no uso de suas roupas, forma de falar ou de agir, em uma espécie de censura moral.
Em 2020, durante audiência do processo da jovem Mariana Ferrer, influenciadora digital de Santa Catarina que fez denúncia de estupro em 2019 - o acusado terminou absolvido no caso -, fotos e vídeos foram utilizadas pelo advogado de defesa para deslegitimá-la. A ação buscou nas imagens o argumento de que o ato criminoso teria sido consensual por causa do comportamento da vítima, como fotos de biquíni publicadas nas redes. A repercussão do caso levou à sanção da Lei Mari Ferrer, em 2021, que prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual.
“Esse caso da Luana Piovani se encaixa perfeitamente. É se utilizar da sexualidade da mulher para dizer ‘veja, ela não é digna, ela é uma mãe ruim porque exerce a sua sexualidade’”, diz a psicóloga, doutora em Psicologia Social e pesquisadora de violência contra a mulher Letícia Mélo.
Homens e mulheres podem praticar slut shaming, mas o ato é voltado com mais frequência contra mulheres visto que é uma busca pelo controle da sexualidade feminina. Letícia alerta que o recorte de raça também intensifica a agressão. “Mulheres brancas tendem a julgar mulheres negras e latinas como muito mais vadias do que outras mulheres”, diz, “’É impossível dissociar gênero, raça e classe.”
Outro recorte feito é o etário. Em sua pesquisa, Letícia identificou que jovens adolescentes são a maioria das vítimas por meio das relações escolares, amorosas, de amizade e até mesmo familiares. “Quanto mais jovem, maior o julgamento. É comum que isso seja exercido através da exclusão ou de termos como a ‘lista da mais vadia’”, diz.
Procurada para comentar, a assessoria de Pedro Scooby ainda não se posicionou sobre o assunto.
Como o slut shaming é praticado no dia a dia?
A prática mais comum do ‘slut shaming’ é por meio da exposição íntima, seja presencialmente ou online, mas há outras maneiras pelo qual o ato é feito. Seja por ações diretas ou indiretas, e muitas vezes intermediadas pelas vias digitais, como as redes sociais.
- Rebaixar o trabalho de uma mulher pelo uso da roupa;
- Julgar uma mulher como “fácil” pelo uso de maquiagem, decotes ou saltos.
- Atribuir a dança de uma mulher a uma busca por homens;
- Levantar a ideia de que uma mulher casada conversando com amigos ou outros homens envolve traição ou falta da presença do companheiro;
- Tachar uma mulher de promíscua por gostar e falar abertamente sobre sexo;
- Culpabilizar uma vítima de abuso sexual por sua maneira de se vestir ou se portar;
- Utilizar da liberdade sexual de uma mulher para atribuir falta de caráter ou competência;
- Utilizar ofensas sexuais para criticar decisões femininas ou mulheres em posições de poder de forma a diminuir suas ações.
Como o slut shaming afeta as mulheres?
De acordo com a psicóloga Letícia, uma das consequências mais comuns do slut shaming é a perda do emprego pela mulher. “Nossa sociedade não consegue lidar com o livre exercício da sexualidade. É como se exercer sexualidade e ser uma grande trabalhadora, boa esposa ou boa filha fosse impossível.”
“Muitas delas precisam mudar de cidade, trocar emprego, faculdade, escola, sair de uma ponta para outra do País para conseguir viver uma vida normal longe do estigma da exposição”, diz Letícia.
Quando se trata do quadro psicológico, a mulher pode desenvolver sintomas ou quadros mais severos de ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ideação suicida e suicídio, esse último ocorrendo com mais frequência em adolescentes.
O slut-shaming é crime?
O slut shaming em si não é crime, mas alguns dos atos compreendidos dentro do termo podem ser considerados e levados à Justiça, nos casos em que as ações foram expostas, por exemplo.
Além de potencialmente envolve crimes contra a honra, que incluem calúnia, difamação e injúria, o slut sluming também é compreendido dentro da Lei 13.718/2018 que tipifica crimes de importunação sexual, de divulgação de cena de estupro e torna pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável.
A Lei 13.772/2018, parte da Lei Maria da Penha, reconhece a violação da intimidade da mulher como violência doméstica e familiar e criminaliza o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado, ou seja, exposição de imagens íntimas.
A última lei federal aprovada que inclui atos de shut shaming é a Lei14.425/2021, a Lei Mariana Ferrer, coibe atos que atentem contra a dignidade da vítima e de testemunhas. A lei também veda a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas, principalmente em crimes contra a dignidade sexual.
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