Qual foi e será o impacto das enchentes recorde no Rio Grande do Sul? Uma equipe de especialistas do Banco Mundial desembarcará no Estado para cerca de quatro semanas de levantamentos, reuniões e relatórios. Não será uma conta simples: além de danos estruturais e consequências econômicas, quantificará impactos sociais e no bem-estar, especialmente da população mais vulnerável.
Os trabalhos vão embasar parte das ações de reconstrução, embora obras e medidas emergenciais tenham sido anunciadas pela União, pelo governo estadual e pelas prefeituras nas últimas semanas. Também são esperados representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Ao todo, mais de 2,3 milhões de pessoas em 475 dos 497 municípios gaúchos foram afetadas pelas inundações, as enxurradas e os deslizamentos no fim de abril e em maio, com impactos principalmente na Região dos Vales (entornos dos vales dos Rios Taquari, Caí, Pardo e dos Sinos), na Serra Gaúcha e na área metropolitana. O balanço parcial é de 172 mortes e 42 desaparecidos.
Em entrevista exclusiva ao Estadão, o especialista sênior em Gestão de Risco de Desastres do Banco Mundial na América Latina e no Caribe, Jack Campbell, aponta que a avaliação vai considerar a necessidade de balancear investimentos estruturais e não estruturais. Isto é, tanto de obras — com perfis mais adaptados às mudanças climáticas — quanto de medidas de monitoramento, alerta etc.
“Vão ter limites de custos. Será preciso balancear investimentos estruturais e não estruturais para conviver com os rios. Não só na área metropolitana e no Vale do Taquari, mas em todas as bacias. São decisões importantes a se tomar”, aponta. “Complementar obras estruturantes, de proteção, com estratégias de planejamento de uso do solo, de criar espaços vazios”, cita.
Perguntado sobre o quanto se poderia ter evitado em danos e prejuízos por meio de medidas de prevenção, Campbell diz que é uma estimativa difícil de ser feita. Isso porque o desastre envolveu um grande território, com características e impactos distintos. Mas ressalta: “não se tem dúvida do custo-benefício geral de se investir na redução de riscos”.
Um dos pontos-chave desse novo momento será o monitoramento e alerta de cheias e outros riscos, com a modelagem da dinâmica em um contexto de mudança climática. Para Campbell, o País tem especialistas e tecnologia mais do que suficientes para isso.
Como exemplo, cita Blumenau, que tem uma plataforma e um aplicativo para toda a população acompanhar o nível dos rios, receber alertas de risco e ter acesso a outras funcionalidades. O sistema foi lançado em 2014, com o app em 2015, após o município de Santa Catarina sofrer com duas grandes enchentes, em 2008 e 2011.
“O AlertaBlu é um case mundial, de ‘best practices’ global”, diz. “Os moradores têm acesso ao aplicativo e interpretam a informação no âmbito muito local.”
‘Reconstrução resiliente’
Como outros especialistas, Campbell defende uma “reconstrução resiliente”, o que envolve um trabalho não de alguns anos, mas de décadas. “Não é só reconstruir o que tinha antes, mas o que tem de se reconstruir para ter um Estado mais resiliente”, diz. “Santa Catarina fez investimento enorme em um plano diretor para o Vale do Itajaí, que ainda está em curso. É um olhar de longo prazo.”
“Agora é o momento para construir uma capacidade institucional para modelar, atualizar, entender os cenários climáticos, porque estamos falando de uma situação que pode piorar ou melhorar, dependendo dos cenários climáticos daqui a 25, 50, 100 anos”, acrescenta o especialista do Banco Mundial.
Em comparação a outros países, ele cita que nações de maior renda e histórico de desastres conseguem fazer altíssimos investimentos em prevenção, como no Japão. Também avalia que o Brasil não tem uma cultura estabelecida de seguros contra desastres, tanto individuais quanto firmados por governos, o que poderia agilizar a reconstrução quando há recursos mais restritos.
“O Rio Grande do Sul já tinha quadro fiscal frágil antes do desastre. Esse evento obviamente só piorou”, aponta. “Se tivesse financiamento contingente, um seguro que oferecesse liquidez nesse tipo de evento — como apólices, crédito contingente, todo um universo de ferramentas financeiras —, os governos subnacionais não ficariam em situação tão frágil.”
Para Campbell, os governos conseguiram mapear os danos iniciais, com levantamento de imagens, dimensionamento de custos etc. “O que talvez não se tenha é uma política pública tão definida do que acontece depois, como fontes de financiamento de fundo perdido, arranjos para exceder crédito externo ou contingente...”
Por isso, fala da importância da articulação das prefeituras com o governo estadual e federal. Cita como exemplo pequenas cidades que sequer têm equipes estruturadas de Defesa Civil. “Muita responsabilidade cai no prefeito, mas é preciso estabelecer mecanismos de financiamento, de assistência técnica para avaliar prioridade e reduzir riscos”, comenta.
Campbell ressalta que decisões difíceis e impopulares precisam ser tomadas eventualmente, como remover famílias de áreas de risco, por exemplo.
Como exemplo, cita o programa Sul Resiliente, uma parceria de crédito do Banco Mundial com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), voltada a todos os municípios dos três estados sulistas. “Não são só linhas de crédito, mas também assistência técnica para avaliar prioridades e se preparar”, descreve.
Esta será a segunda vez em menos de um ano que o Banco Mundial enviará uma equipe para locais afetados por desastres no Rio Grande do Sul. Outra missão já havia visitado o Estado no fim de 2023, após ciclones devastarem diversos municípios, especialmente no Vale do Taquari.
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