Aos 49 anos, o paulistano Alfio Lagnado vive de pegar boas ondas, seja na praia ou nos negócios. No mar, caiu aos 13. O "pico" - gíria de surfista para um bom lugar para frequentar - era o Guarujá, onde a família tinha um apartamento e onde pintavam os principais nomes do surfe paulista dos anos 1970, como Paulo Tendas, vizinho de Alfio na capital. Nos negócios, começou a surfar mais tarde, em 1980. Uma marolinha que iniciou com vendas de filmes fotográficos, passou para produção de chaveirinhos e evoluiu para uma onda gigante. Isso porque Alfio é dono do maior império do surfe brasileiro, que inclui a marca Hang Loose, a representação de seis licenças estrangeiras, patrocínio de surfistas e a organização do torneio mais importante do País."Pegava um longboard (prancha alongada) que largavam na garagem do condomínio no Guarujá e levava para a praia com a ajuda de amigos, já que na época o long era pesadíssimo", conta, recordando as primeiras aventuras como surfista. "Eu era o "pentelhinho" da turma do meu irmão mais velho, amigo do Tendas, uma de nossas influências no surfe." Com seus "brothers" - os mais próximos, para um surfista - do litoral sul do Estado, conheceu muitas ondas, tanto em praias quanto como empresário.O Alfio surfista viajou muito com os colegas. A primeira "trip", na maneira de falar dos que encaram as ondas, fez aos 15 anos, ao lado do irmão, dois anos mais velho. Foram para Imbituba, em Santa Catarina. "Era o paraíso da época", lembra. Gostou tanto da viagem que resolveu estendê-la, estendê-la... "Até que minha mãe, preocupada, pegou um ônibus e foi nos buscar."Ainda jovem, passou a viajar com frequência. "Íamos bastante para o Peru", recorda. Na hora de decidir "o que queria ser quando crescer", optou primeiro pela Geografia. "Sonhava em viajar e surfar enquanto trabalhava. Nem sabia o que um geógrafo fazia, mas achava que daria para conciliar com meu prazer." Em paralelo, cursou Economia. "Para também estudar algo mais "padrão"."CHAVEIRINHOSNa faculdade, enfrentou um problema. "Queria grana para continuar a viajar e surfar." Alfio chegou a procurar um estágio. "Um amigo disse: "Tem uma vaga em um banco, mas corta esse cabelo antes da entrevista"", recorda. Ele seguiu a dica e aparou as compridas madeixas que tinha (hoje, é quase careca). "Mas na primeira entrevista, falaram "gostamos de você, porém, apara esse cabelo para a próxima etapa"."Ele não foi novamente ao barbeiro. E também não passou na seleção. Hoje, cai na gargalhada quando narra a história, vestindo uma camiseta, uma calça descolada e tênis na sede de sua empresa em Campos Elísios, na região central de São Paulo, onde cerca de 150 funcionários batem ponto - nenhum de terno."Sempre fugi de trabalhar de gravata, plantado em um escritório", diz Alfio. E ele conseguiu o que queira: nunca teve de usar terno no emprego. "Também nunca fui funcionário dos outros", acrescenta.Em 1980, quando precisava de dinheiro para viajar e não arranjava um estágio, faturou em um golpe de sorte. Dois carregamentos de filmes fotográficos caíram de um navio e a mercadoria tomou a areia do Guarujá. O surfista, então com 20 anos, estava lá, olhando pela janela de manhãzinha para ver se o mar trazia boas ondas. E trouxe: toneladas de filme. "Lotei minha Brasília com o material e passei a vendê-lo", conta. "Viajei durante um ano com o dinheiro."Com a renda, ele surfou no Havaí, em praias do México, no mar do Peru... Mas quando a verba acabou voltou a faltar caixa para conhecer outras areias. Foi então que um amigo o apresentou para o empresário (e também surfista) Sidney Luiz Tenucci Jr, conhecido como Sidão, dono da OP - na época, a marca nacional mais prestigiada do ramo. "O Sidão propôs: "Tua mãe não tem uma confecção? Produz algo para mim"."Alfio bolou um chaveirinho para a OP, inspirado em um modelo que os surfistas americanos usavam. "Comecei produzindo cem. Aí, passou para mil, 10 mil..." Em 1982, entrou em outra onda: criou a marca de roupas Hang Loose. O nome e o logo vêm de um cumprimento havaiano em que os três dedos do meio ficam abaixados - típico dos surfistas. Em pouco tempo, a marca e Alfio viraram protagonistas do surfe brasileiro.IMPÉRIOA marolinha chamada Hang Loose explodiu em 1986. "Soube que queriam voltar a fazer uma etapa do Circuito Mundial de surfe no Brasil", recorda Alfio. "Na hora, vi que patrocinar essa empreitada era uma oportunidade de aparecer. Também era o sonho de qualquer surfista brasileiro ver o País receber um campeonato desse nível." Ele conta que destinou quase 70% do faturamento da empresa na época para bancar o torneio em Florianópolis (evento que ele ainda promove, agora em Fernando de Noronha, Pernambuco). "Valeu a pena", garante. "Com a exposição, dobrei, tripliquei, quadrupliquei os lucros."No fim dos anos 1980, a Hang Loose já era uma das maiores do ramo. E Alfio apostou em uma nova onda: em 1988, identificou dois jovens talentos e os patrocinou no Circuito Mundial. Os nomes: Fabio Gouveia, então com 18 anos, e Flávio Teco Padaratz, com 17. Ambos se tornaram os mais famosos e bem-sucedidos surfistas brasileiros e divulgaram a Hang Loose ao redor do globo.Gouveia conta que deve muito a Alfio. "Eu era um bicho do mato quando ele se aproximou de mim em João Pessoa", recorda. "Alfio não só nos deu a possibilidade de entrar no mundial. Ele fortificou o surfe brasileiro, como marca e como esporte."Alfio acompanhou os dois em etapas na Indonésia, na Austrália, na França. "Viajava junto para cuidar dos meninos e para aproveitar as praias", afirma. Ele chegou a participar do campeonato mundial amador de longboard. E ficou em 5º lugar. Mesma colocação que Gouveia atingiu no ranking dos melhores profissionais - surfista que, no currículo, ainda tem três vitórias em etapas do antigo Circuito Mundial, uma do World Championship Tour e sete do World Qualifying Series. Sua história rendeu o documentário Fabio Fabuloso, patrocinado pela Hang Loose.Hoje, o império de Alfio vende mais de 300 mil bermudas e em torno de 1.500 pranchas por ano (sem contar tênis, camisetas...). Além da nacional Hang Loose, ele tem o direito de seis marcas estrangeiras no País, como a Quiksilver. Sua empresa exporta para dez países da Europa, como Portugal e Espanha, e para a América Latina. Também patrocina cerca de 50 surfistas e dez atletas de skate, wakeboard e outros esportes.E Alfio parece ter conquistado vários de seus sonhos: conhece 30 países (visitou 20 só para pegar onda), surfa nos fins de semana em Maresias, no litoral norte do Estado, onde tem uma casa e para onde gosta de ir com os três filhos que teve com a ex-mulher, e não usa terno para trabalhar. "O segredo, no mar e nos negócios, é analisar as condições, escolher a onda e optar pela manobra certa", diz o empresário e surfista.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.