As mudanças climáticas causam efeitos cada vez mais visíveis, como as enchentes no Rio Grande do Sul. Outro exemplo são as ondas de calor: em 17 de março, a sensação térmica no Rio de Janeiro chegou a 62,5°C, recorde histórico local. Quatro meses antes, uma jovem havia morrido após exaustão térmica no show da cantora Taylor Swift na cidade.
Uma das principais causas desse calor é o lançamento na atmosfera de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, gases do efeito estufa. Nos ambientes urbanos, grande parte é produzida pelos transportes, pela indústria e pela decomposição de resíduos orgânicos.
Em 1970, estima-se que o Rio emitiu 474,6 mil toneladas brutas desses gases e era o 47.º no ranking nacional de emissões do Observatório do Clima, rede de entidades ambientalista. O recorde foi em 2013, com 16,5 milhões de toneladas, 5.º maior do Brasil. Em 2022, dado mais recente, foram emitidos 12,8 milhões de toneladas e a cidade ficou em 14.ª.
Em novembro do ano passado, a prefeitura do Rio aderiu ao orçamento climático, iniciativa apoiada pelo C40 (grupo composto por 96 cidades, que se reuniu para debater e propagar medidas de combate à crise climática). Ao todo, só 12 municípios do mundo adotam esse projeto - o primeiro foi Oslo, e o Rio é o único na América Latina.
Todos esses municípios estão comprometidos com duas metas de longo prazo: até 2030, reduzir em 20% a emissão de gases estufa ante 2017, e até 2050 zerar a emissão desses gases. Líder na iniciativa, adotada em 2016, Oslo já deve chegar perto de zerar a emissão desses gases em 2025.
Entre as medidas, a capital norueguesa eletrificou sua rede de transporte público e ampliou a malha cicloviária. Também tem investido na produção de biogás na usina de Klemetsrud. A ideia tem sido trabalhar com objetivos de curto prazo para os cortes de emissões, de forma a conseguir resultados mais amplos.
Para fazer seu orçamento climático, o município calcula quanto gás estufa cada projeto incluído no orçamento vai produzir. Esse número permite avaliar se o projeto é compensador ou não, sob a ótica ecológica, e se o conjunto de ações proporciona avanços rumo às metas de cortar emissões. Os resultados são avaliados periodicamente para concluir se o objetivo está mais perto de ser cumprido. Se não estiver, é preciso rever os projetos.
Por enquanto, não há estimativas desse tipo no Rio – elas devem constar de orçamentos futuros. Mas, a prefeitura já calcula quanto gás estufa deixará de ser produzido em função de projetos ecológicos – o Solário Carioca, programa de captação de energia solar que envolve investimento de R$ 45 milhões pela administração, vai evitar a emissão de 4.662 toneladas de gases ao ano, segundo a Secretaria de Fazenda e Planejamento.
“Os três principais produtores de gases de efeito estufa no Rio são, pela ordem, os resíduos orgânicos, o transporte e a indústria”, afirma Tainá de Paula, secretária municipal de Meio Ambiente e Clima de fevereiro de 2023 até abril passado, quando foi exonerada para poder concorrer a novo mandato na Câmara de Vereadores.
Para reduzir as emissões referentes aos resíduos orgânicos, segundo Tainá, a prefeitura criou a Fábrica Verde, centro de reciclagem de diversos materiais inaugurado em abril em um prédio de 6 mil m² na zona norte. Um dos produtos transformados na fábrica é o coco verde, cujo consumo é comum na orla – a unidade tem capacidade para processar até 80 mil quilos do produto por mês.
A ex-secretária estima que só 3% dos resíduos orgânicos produzidos no Rio são transformados em novos materiais – o processamento reduz a produção de gases. “O plano é que, até 2030, a proporção chegue a 15% ou 20%.”
No combate às emissões de gases decorrentes do transporte, ainda não foram adotados os ônibus elétricos, mas no ano passado a Secretaria de Transporte comprou 337 coletivos com tecnologia Euro 6, que tem a capacidade de reduzir em até 80% a emissão de poluentes. Eles estão circulando pelos corredores de BRTs. Na próxima compra, os planos são de que sejam ônibus à base de energia limpa.
Na seara industrial, a emissão de gases, segundo Tainá, está concentrada na empresa Ternium, segundo Tainá. A multinacional fabricante de aço - cuja unidade no Rio fica na zona oeste - representa cerca de 40% dos gases emitidos por esse setor. Só em empregos diretos para a cidade, são mais de 4 mil.
Ao Estadão, a Ternium afirmou que “opera de acordo com as melhores práticas e padrões globais, tem participado ativamente dos projetos de descarbonização do setor alinhados com o governo federal e tem licença de operação válida até 2032 emitida pelo Inea (Instituto Estadual do Ambiente), órgão responsável pelas ações de fiscalização, controle, licenciamento e monitoramento”.
Tainá estima que, desde que começou, em janeiro de 2021, a gestão Eduardo Paes (PSD) tenha aplicado aproximadamente R$ 10 bilhões em projetos que proporcionaram benefícios ambientais. “Em praticamente todos os projetos a prefeitura tomou medidas para mitigar a emissão de gases e ter outros cuidados com o meio ambiente. Foi assim na comunidade do Aço, na construção dos parques urbanos, no reflorestamento usando drones”, elenca.
A comunidade do Aço é uma favela em Santa Cruz onde a prefeitura, dentro do programa Morar Carioca, está concluindo a construção de 44 prédios, com 704 apartamentos ao todo, ao custo de R$ 243 milhões. Dois grandes parques urbanos foram inaugurados e outros três estão sendo construídos.
“A iniciativa (de adotar o orçamento climático) é interessante, mas não cria obrigação de investimento, é só uma carta de boas intenções”, afirma o engenheiro florestal Beto Mesquita, diretor executivo de Florestas e Políticas Públicas da BVRio e integrante do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. “O sistema de transporte, por exemplo, continua usando ônibus movidos a diesel”, critica.
A vereadora Teresa Bergher (PSDB), por sua vez, elogia a adesão ao orçamento climático, mas cobra do prefeitura que use toda a verba prevista para obras de prevenção de enchentes. “Há no orçamento municipal o tema transversal ‘mudanças climáticas e resiliência’, composto por 10 programas orçamentários. Dos R$ 2,4 bilhões previstos para este ano, a prefeitura já empenhou R$ 1,8 bilhão, ou seja, 74%. Ainda não chegamos à metade do ano, então é um grande avanço”, diz.
“Mas eu ficaria menos preocupada com os efeitos climáticos se o prefeito conseguisse, pelo menos neste último ano de seu 3º mandato, cumprir também o orçamento de prevenção às enchentes. Infelizmente, entra ano, sai ano, entra prefeito, sai prefeito, a prefeitura negligencia as ações mais básicas de combate a catástrofes causadas pelas chuvas”, afirma.
Consultada pelo Estadão, a prefeitura do Rio informou que de janeiro de 2021 a novembro de 2023 investiu R$ 2,1 bilhões em 308 ações preventivas adotadas para minimizar impactos das chuvas.
Afirmou ainda que eventualmente uma obra que ajuda a evitar danos provocados por eventos climáticos pode não estar diretamente alocada em sua rubrica, porque está inserida em outra, como ocorre com as obras do programa Bairro Maravilha que tem, entre suas competências, melhorar a drenagem das ruas.
A gestão municipal afirmou que “a adoção do Orçamento Climático pelo Rio é mais um instrumento, e não o único, no combate às adversidades climáticas. Disse também que o tema não fica restrito ao orçamento da Secretaria de Meio Ambiente e Clima.
A prefeitura cita como exemplo da descentralização orçamentária a compra, pela Secretaria de Transporte, dos ônibus com tecnologia de reduzir a emissão de gases poluentes.
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Quais são as cidades que adotam o orçamento climático?
- Europa: Barcelona, Berlim, Londres, Milão, Oslo, Estocolmo e Paris
- América do Norte: Montreal e Nova Iorque
- Outros continentes: Rio de Janeiro, Mumbai (Índia) e Tshwane (África do Su).
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