O Pará, Estado em que os dois fugitivos da Penitenciária Federal de Mossoró (RN) foram recapturados nesta quinta-feira, 4, assistiu a um avanço do crime organizado nos últimos anos. A região é vista como um espécie de “corredor de exportação” da cocaína que chega de países como Peru e Colômbia à Amazônia.
O recrudescimento da violência por lá se deve principalmente à atuação do Comando Vermelho (CV), soberano na região metropolitana de Belém, e do Primeiro Comando da Capital (PCC), que tem se aliado a facções menores, como Comando Classe A e Revolucionários do Amazonas, para avançar pelo sul do Estado.
- Após 50 dias de buscas, Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento foram encontrados em Marabá, no Pará, a 1,6 mil quilômetros de Mossoró. Eles haviam escapado do presídio federal em 14 de fevereiro e desde então eram procurados por forças federais e estaduais na região. Ambos são ligados ao Comando Vermelho.
Pesquisadores afirmam que, enquanto o Amazonas é visto como a grande porta de entrada das drogas que vêm de Peru e Colômbia (com destaque para o escoamento pelo Rio Solimões), o Pará é um “corredor de exportação”, uma vez que o Estado tem portos, como o de Vila do Conde, em Barcarena, com grande capacidade de envio de carregamentos para África e Europa.
- Nesta quinta-feira, 4, a Polícia Federal cumpriu 15 mandados de prisão e 30 de busca e apreensão em seis cidades paraenses e em outros sete Estados do País no âmbito da Operação Oceano Azul.
- Os trabalhos, voltados para o combate ao tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro, tem como alvo um grupo que movimentou mais de R$ 50 milhões entre 2022 e 2023 em um esquema de envio de cocaína para a África e Europa.
Autoridades apontam que o crime organizado envia cocaína para outros continentes principalmente por vias marítimas. O PCC, por exemplo, usa principalmente o Porto de Santos, mas também testa outras alternativas para enviar a droga para o exterior. As estratégias envolvem desde viabilizar o Porto de Salvador como possível nova rota até consolidar ainda mais as rotas do Nordeste.
“Grande parte das dinâmicas observadas na Amazônia estão relacionadas à localização geográfica estratégica da região”, disse, no ano passado, o pesquisador Aiala Colares Couto, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Universidade Estadual do Pará (UEPA).
A rota amazônica passou a ser alvo de disputa do crime organizado sobretudo após 2016, quando o narcotraficante Jorge Rafaat, conhecido como “Rei da Fronteira”, foi morto a tiros em Pedro Juan Caballero. O assassinato, segundo especialistas e autoridades, teria tornado o PCC ainda mais dominante na região, o que dificultou o uso da “rota caipira” por outras facções.
Com isso, organizações criminosas como o Comando Vermelho buscaram novas alternativas para enviar remessas de cocaína para a Europa, avançando por cidades da Amazônia. A região tem se consolidado como um dos epicentros da atuação do crime organizado no Brasil.
Como mostrou o Estadão, ao menos 22 facções, tanto do Brasil como de países vizinhos, disputam o controle de rotas em Estados brasileiros da região, segundo relatório divulgado no fim do ano passado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Como reflexo disso, a taxa de mortes violentas intencionais (MVI) por lá foi de 33,8 para cada 100 mil habitantes em 2022, 45% superior à média nacional. As disputas entre facções afetam quase um terço da população da Amazônia (31,1%), o que eleva a percepção de insegurança dos moradores.
- Deibson Cabral Nascimento e Rogério da Silva Mendonça ascenderam no mundo do crime organizado atuando no Acre como “matadores” do Comando Vermelho.
- Os criminosos, que possuem condenações que somam mais de 100 anos, foram transferidos para Mossoró no fim de setembro do ano passado.
- A decisão pela transferência se deu após a dupla participar de uma rebelião que resultou em cinco mortes em um presídio de Rio Branco, capital do Acre.
Avanço do crime organizado preocupa comunidades
O avanço da violência nas comunidades tradicionais gera uma rotina de tensão entre os povos tradicionais. Em resposta a isso, muitos passaram a adotar medidas de segurança extras nos últimos anos, em uma espécie de “liberdade forjada”. O medo entre os moradores é constante, relataram lideranças indígenas e quilombolas ouvidos no ano passado pelo Estadão.
“Quando o governo aperta o cerco aqui em Belém, dentro dos grandes bairros onde tem tráfico pesado, eles vão todos para as pequenas cidades. Lá, vão para a área rural, entram na vulnerabilidade da comunidade, e vão ficando”, disse Raimundo Hilário, coordenador executivo da ONG Malungu e liderança de uma comunidade quilombola em Salvaterra, na Ilha do Marajó (PA).
Essa rotina não é exclusividade do Pará: também pode ser observada em outros locais da Amazônia. Liderança indígena em comunidade do Amapá e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Kleber Karipuna afirmou que vários povos começaram a trabalhar de forma mais ativa para proteger suas comunidades e denunciar invasões de forma mais ágil.
Os grupos usam tecnologias para incrementar as chamadas “andanças”, espécies de rondas pelos territórios. “Tem uso de equipamentos como drones, para fazer monitoramento aéreo; GPS, para tirar coordenadas; câmeras fotográficas. Muitos atuam até com aquela câmera de sensor na mata”, disse Karipuna, também em entrevista concedida no ano passado.
Como mostrou o Estadão, relatório divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês) no ano passado apontou que o avanço do tráfico impulsiona a ocorrência de crimes ambientais na Amazônia, com a ocupação irregular de terras, extração de madeira e garimpo ilegal. A sobreposição de vários tipos de crime virou “regra básica” na região.
Apuração do Ministério Público do Pará indica que, sozinho, o Comando Vermelho tem cerca de 11 mil faccionados só no Estado, segundo balanço de junho do ano passado. A cada doze meses, cerca de mil novos integrantes entram no braço paraense da organização. Entre 2022 e 2023, 137 suspeitos foram denunciados pelo órgão por associação criminosa.
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