Diga a uma aimará idoso para encarar o passado e ele provavelmente não se dará ao trabalho de responder - porque isso é o que tem feito a vida toda. Uma nova análise da linguagem falada e gestual desse povo andino indica uma relação entre tempo e espaço inversa à da maioria das outras culturas: para os aimarás, ontem está "adiante", e amanhã, "atrás". Estudo mostrando essa surpreendente relação está publicado na edição atual do periódico Cognitive Science. Um dos autores do trabalho é Rafael Nunez, da Universidade da Califórnia, San Diego. "Até agora, todas as culturas e línguas estudadas do mundo - das européias para as polinésias e chinesas, o japonês, o bantu e assim por diante, não só caracterizavam o tempo com propriedades como as do espaço, mas também mapeavam o futuro como adiante do sujeito e passado, às costas. O caso aimará é o primeiro documentado a escapar desse modelo padrão", disse Nunez. A língua aimará chama a tenção do Ocidente desde os primeiros tempos da conquista espanhola. Jesuítas já notavam, no século XVII, que O aimará era especialmente útil para conceitos abstratos. Mais recentemente, surgiram esforços para adotar características da "lógica andina", que acrescenta uma terceira opção ao sistema binário verdadeiro/falso, sim/não, a aplicações de computador. Mas, segundo Nunez, ninguém jamais havia notado o "mapeamento do tempo radicalmente diferente". À evidência lingüística, que mostra que os aimarás usam a palavra "naira", que pode significar "olho", "frente" ou " vista" para se referir ao passado e "ghipa" - "atrás", "costas" - para o futuro, soma-se a análise gestual: os idosos, principalmente, apontam para trás ao falar do futuro, e para a frente ao falar do passado. Uma explicação para essa diferença, que parece separar os aimarás de todas as culturas conhecidas, pode vir do fato de que esse povo dá grande valor ao fato de o interlocutor ter ou não visto as coisas de que fala. Em aimará, a frase "Colombo navegou em 1492" é impossível: é preciso acrescentar a informação de se quem afirma realmente testemunhou os eventos ou só ouviu falar. Segundo Nunez, numa cultura que dá tanto valor à evidência, faz sentido pôr o passado - o que já foi visto - à frente, ao alcance dos olhos, e o futuro - o desconhecido - nas costas, onde não se pode ver.