Depois de uma campanha marcada pela apatia generalizada, milhares de marroquinos foram às urnas nesta sexta-feira, para eleger os 325 membros do Congresso. É a segunda eleição legislativa, desde a posse do jovem rei Mohammed 6º,há oito anos, e a maioria das pesquisas de opinião aponta para o crescimento do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD), partido islâmico moderado. O PJD, que construiu sua campanha com promessas de combate à corrupção, pode transformar-se em um das principais forças no Parlamento, já que pode atrair não só votos de religiosos, mas também de eleitores, principalmente jovens, desiludidos com a política tradicional. Os líderes do PJD dizem que não são extremistas nem pretendem transformar o Marrocos num Estado islâmico. "Apesar de o nosso PJD ter o mesmo nome que o partido islâmico queganhou as eleições na Turquia, a situação no Marrocos é completamentediferente", diz o professor de Ciências Políticas, Mohammed Darif. "Temos 33 partidos disputando as eleições e nenhum deles conseguiráuma maioria importante no Congresso. Mas mesmo que conseguisse quem decide tudo é o rei." O Marrocos é uma monarquia parlamentarista, mas é o rei quem escolhe o primeiro-ministro, que não precisa necessariamente pertencer ao partido majoritário. Pela Constituição, o rei é também chefe de Estado, comandante das Forças Armadas e (mais importante ainda, num país muçulmano) líder espiritual. Foi por reunir estes poderes que Mohammed 6º foi capaz de enfrentar as resistências dos conservadores e, em 2004, reformar o código civil marroquino, que é baseado no Corão e favorece o homem em relação à mulher. Até então, o marido podia separar-se da mulher simplesmente pronunciando a frase "eu te repudio" três vezes, mas ela só podia pedir o divórcio em casos extremos, como violência matrimonial. Agora ambos têm o direito de acabar com o casamento recorrendo à Justiça. O homem ainda tem o direito a quatro esposas, mas, desde a reforma, só pode se casar com a segunda se pedir e obtiver permissão da primeira. Um dos desafios do rei Mohammed 6º é justamente continuar com seu projeto de modernização e democratização do Marrocos, evitando, ao mesmo tempo, o crescimento do fundamentalismo islâmico. Parte da sua estratégia é permitir o crescimento do PJD, chefiado pelo psiquiatra Saad Eddine el-Othmani, que representa os islamistas moderados. Em 2003, depois de um sangrento atentado fundamentalista em Casablanca, alguns políticos chegaram a pedir ao rei que proibisse o PJD, que já estava em plena ascensão. Mas Mohammed 6º nada fez. Em compensação, o movimento islâmico mais radical Justiça e Caridade, queabertamente desafia a autoridade do rei, não pode constituir um partido político. Os militantes do PJD também sabem que, se quiserem permanecer no cenário político, devem moderar seu discurso e manter um perfil baixo. Nas últimas eleições legislativas, em 2002, decidiram apresentar-se emapenas 60% dos distritos eleitorais. Ainda assim, conquistaram 42 das 325 cadeiras. Neste ano, esperam obter pelo menos 75. É quase o dobro, mas representa pouco mais de 20% do total. Mas nem todos os eleitores do PJD são muçulmanos praticantes. É ocaso do técnico em informática Youssef Bendourou, de 32 anos. "Os políticos dos partidos tradicionais são corruptos. Não fazem coisa alguma e só querem chegar ao poder para encher os bolsos com o dinheiro do povo", disse Bendourou, antes de votar. "Ainda não decidi se vou votar, mas se for será no PJD. E não será por razões religiosas, já que pretendo continuar tomando vinho nas refeições. Meu voto será um voto de protesto". Bendourou não é o único que simpatiza com o PJD porque o partido é novo e tem um discurso contra a corrupção. Vários jovens marroquinos têm tornado pública a sua insatisfação com as autoridades no espaço cibernético. No último dia 8 de julho, o Youtube difundiu imagens de dois policiais, enquanto cobravam suborno numa estrada do Rif - uma região do Marrocos conhecida por sua produção de haxixe. Dias depois, o mesmo autor - que assina como El Kannas (o caçador) mas faz questão de se manter anônimo - flagrou outros dois policiais. Além de tornar público o filme, fez um apelo "ao jovem e corajoso" rei Mohammed 6º, para que acabe com a corrupção das autoridades marroquinas. "Os marroquinos sabem que os políticos não têm o poder e que quem decide tudo é o rei. Mas não acham que Mohammed 6º seja um déspota", disse o cientista político Darif. "Muito pelo contrário. Para a maioria, o rei é visto como um exemplo deeficiência e a falta de solução para os problemas do país é atribuída aos políticos ou ministros". Aí estaria a explicação pelo pouco entusiasmo nas eleições legislativas desta sexta-feira. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
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