RIO DE JANEIRO - Seis meses depois das manifestações, o Curso Estado de Jornalismo promoveu um debate entre três gerações que foram às ruas emmomentos decisivos: 1968, 1992 e 2013. O convidado para representar a Passeata dos Cem Mil, contra a ditadura militar, foi Vladimir Palmeira, de69 anos, presidente da União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (Umes) em 1968. Integrante da gestão da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1992, Carlos Henrique de Carvalho, de 44, falou sobre a organização do movimento dos caras-pintadas, que atuou no impeachment de Fernando Collor de Mello. Embora não se considere uma liderança central das manifestações de 2013, Andressa Vieira, de 23, deu voz ao Movimento Passe Livre (MPL), estopim dos protestos deste ano.
Qual é o rumo das manifestações deste ano? Vão influir nas eleições de 2014?
Andressa: Esperamos que em 2014 algumas cidades já alcancem a tarifa zero no transporte público. O próximo ano era para ser o sonho dos empresários, com a Copa e a previsão de mais megaeventos. Pode ser que a mobilização atrapalhe um pouco esse cenário. Pelo menos é isso que espero.
Carvalho: Será positivo que influenciem os candidatos a abrirem os olhos para problemas básicos da sociedade, como educação, saúde e mobilidade urbana. O que aconteceu em 2013 é parte de um ciclo que se iniciou em 2003. O governo Lula trouxe reinclusão social, mas ainda há gente morrendo nos hospitais e educação precária.
Palmeira: O problema de 2013 é a falta de desdobramento. O MPL não tem uma estrutura organizada e enfrenta dificuldades com isso. Para fazer um movimento de massa, tem de haver uma estrutura de quadros intermediários. Em 2014, deverá ter espaço quem tiver interesse em avançar, em achar que pode haver reformas. Mas a direita está perdida e sem representação. Já a esquerda está comprometida com o governo. O problema é a alternativa.
Andressa:O MPL discorda que é preciso ter uma hierarquia. Nos organizamos há quase dez anos de forma horizontal e isso vem sendo eficiente. Quando revogaram o aumento da passagem, o MPL saiu das ruas não por estar desorganizado, mas por já ter atingido o que queria naquele momento.
Em 1968 e 1992 havia lideranças, diferentemente de 2013. Como promover debate sem líder?
Andressa: O MPL seguiu a linha dos movimentos da última década, que não se baseiam nas instituições. São feitos pela população, de maneira horizontal e autônoma. O MPL não se coloca como liderança de nada. Nossa ideia é somar. A manifestação é o resultado de uma organização política anterior. Agora, qualquer pessoa pode puxar um protesto pelo Facebook.
Carvalho: Essas comparações são complicadas. Cada momento histórico propicia um tipo de organização. Os protestos de 1992 aconteceram em torno da UNE e da Ubes (União Brasileira de Estudantes Secundaristas). O movimento veio se estruturando em muitas passeatas dos anos anteriores, contra o aumento das mensalidades, por exemplo. O Congresso da UNE já elege a bandeira do “fora Collor”, mas não só pela corrupção. Era contra o projeto neoliberal do governo. O papel da liderança foi fundamental. Naquele caso, Lindbergh Farias. Ele tinha muita clareza e soube levar o movimento. Havia uma bandeira clara. Mas são momentos diferentes.
Palmeira: Em 1968, a Umes teve papel fundamental. Tínhamos um movimento estudantil de verdade, que não existia tanto na época dos caras-pintadas. Nós tínhamos a entidade de massa, em que todos os setores ideológicos participavam. Em 1992, era muito mais partidarizado: PT, PCdoB, PSTU. Apoiamos o movimento começado pelo MPL, mas sem medo de desdobramentos do movimento de massa. E, claro, sabendo que a direita disputa movimentos. A esquerda precisa construir o movimento de massa com aquilo que está vivo.
Comenta-se que muitos talvez tenham ido às manifestações deste ano não por alguma bandeira, mas pelo evento em si.
Carvalho: A juventude se manifesta das mais diversas maneiras e esse é o barato. E é natural que da quantidade venha a qualidade. Há gente que vai para fazer bagunça e paquerar, mas depois acaba virando líder. Vê que é uma causa bacana e daqui a pouco está no banco da escola fazendo discurso.Movimento de juventude tem de ter um viés mais descontraído. Em 1992, não foi determinação da UNE usar tinta no rosto, aquilo surgiu.
Palmeira: Uma das coisas mais bonitas de junho foi que as pessoas se manifestaram por conta própria, levando cartazes e demonstrando a própria opinião. As pessoas estavam presentes espiritualmente, não apenas socialmente. Esse é um pessoal que pode criar uma nova mentalidade.
Por que as grandes manifestações ocorreram neste momento de 2013? E por que as pessoas se desmobilizaram tão rapidamente? Era só pelos 20 centavos?
Andressa Vieira: Era pelos 20 centavos, sim. Fomos às ruas com uma pauta clara. Corrupção é algo muito vago. O que se quer dizer com isso? Se fosse uma pauta mais clara, talvez tivesse continuado. Por enquanto, foi isso. Não sabemos porque tudo ocorreu em 2013. Foi um trabalho de anos para amadurecer uma luta e uma consciência.
Como mobilizar os cidadãos pela mudança? Ficou a impressão de que só se vai às ruas em situações extremas.
Palmeira: Não tem ciência. Você tenta, faz, mobiliza, mas não é exato. Os movimentos dependem das pessoas. Elas vão para as ruas, mas não se sabe quando. O Brasil não tinha movimento de massa. O Chile, que é um país conservador, levou quase 1 milhão de pessoas nas ruas. Agora, os jovens estão conseguindo até se eleger. De repente, as manifestações explodiram por aqui. Não tem como prever. A própria massa precisa achar seu caminho e isso demora.
Carvalho: O caminho para as pessoas irem para a rua é procurar um movimento social organizado. A maior escola que existe é o movimento estudantil. Quem entra nele não sai. A convivência democrática da disputa política no grêmio é marcante. As pessoas precisam procurar se organizar no local em que estiverem – onde moram, no trabalho, no estudo.
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