Pensão alimentícia sem advogado: o que muda com decisão do STF?

Objetivo é facilitar acesso à Justiça, mas há risco de criar desigualdade entre as partes; OAB é contrário à mudança

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Não é mais preciso recorrer a advogado para solicitar pensão alimentícia, conforme decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF). O entendimento tem o objetivo de facilitar o acesso ao direito, já que permite que qualquer pessoa se dirija pessoalmente ao juiz no início do processo, sem a necessidade de contratar um profissional para defender o caso.

Pensão é um direito que pode ser reivindicado a qualquer momento Foto: Mind and I/Adobe Stock

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Segundo argumentou o relator da ação, o ministro Cristiano Zanin, a dispensa do advogado se justifica em razão da urgência do pedido, já que o procedimento responde à necessidade de garantir acesso à Justiça e “a concretização do direito a alimentos”.

A decisão da Corte teve votos favoráveis de dez ministros - apenas um foi contrário. Seus efeitos são imediatos. “Isso significa que qualquer pessoa pode apresentar pedido de pensão alimentícia diretamente ao juiz, sem intermediação de advogado”, resume o jurista Ivandick Cruzelles Rodrigues, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

A obrigação da pensão costuma ter origem na dissolução do casamento ou da união estável. Pode ser feito extrajudicialmente, quando o casal não tem filhos menores ou incapazes; ou judicialmente, nos demais casos. Esse é um direito que pode ser reivindicado a qualquer momento, sobretudo quando muda as necessidades da criança ou a capacidade financeira daquele que paga a pensão.

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O processo é competência das varas de Família na Justiça Estadual. “Documentos como comprovantes de renda, despesas e outros que comprovem a necessidade da pensão servem como meios de prova para a instrução do pedido”, diz Rodrigues.

Após recebera petição, o juiz determina a citação, ou seja, que o réu seja comunicado e possa apresentar sua defesa. Na sequência, costuma ser marcada audiência para ouvir as partes. Neste momento, se necessário, o juiz determinará valor provisório a ser pago até a decisão final.

“Passada esta etapa, serão produzidas as provas cabíveis sobre as necessidades do alimentando e a capacidade financeira do alimentante, e ao fim dessa fase o processo vai para julgamento, com direito a recurso das partes, até o trânsito em julgado da decisão, quando se torna definitiva”, continua.

“As vantagens trazidas pela medida são o acesso facilitado à Justiça, pois pessoas com menos recursos financeiros podem acessar o Judiciário sem os custos de contratar advogado. E a celeridade, já que o processo pode ser mais rápido”, avalia Rodrigues.

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Por outro lado, ele pontua que aquele que solicitar pensão assim pode esbarrar em empecilhos, tais como falta de conhecimento técnico e ficar em situação vulnerável. “Sem advogado, o requerente pode não saber como apresentar adequadamente as provas e argumentos, o que pode resultar em pedido menos eficaz”, diz.

Valor da pensão depende da capacidade financeira de quem paga e da necessidade de quem vai receber o valor Foto: Natalia Sinelnik/Adobe Stock

“E a ausência de uma defesa técnica pode deixar o alimentando em desvantagem, especialmente se o alimentante estiver representado por um advogado”, acrescenta o professor.

Conforme a advogada Fernanda Gurgel, também professora na Mackenzie, os custos advocatícios partem de tabela da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “O valor depende muito, mas a OAB prevê valor mínimo para a ação de pensão alimentícia de R$ 2,3 mil ou três parcelas da pensão pedida”, diz.

“Mas dependendo da experiência do advogado e de sua qualificação, esse valor pode subir - e bastante”, acrescenta. Ela lembra, contudo, que cidadãos com renda familiar inferior a três salários mínimos têm direito a usar a Defensoria Pública, sendo representadas sem custo advocatício.

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Já o valor da pensão depende das condições de quem paga ee das necessidade de quem recebe.

OAB quer reverter mudança

A decisão foi mal recebida pela OAB. Em vídeo nas redes sociais, a presidente da secional paulista da entidade, Patricia Vanzolini, diz ver violação ao Estatuto da Advocacia e à Constituição.

“Ainda assim, é uma decisão no Judiciário definitiva”, analisa ela. “O que cabe ao Conselho Federal da OAB é seguir pela via legislativa e demandar ao Congresso Nacional que aprove uma lei que garanta expressamente a necessidade do advogado para esse tipo de ação. E é isso que será feito.”

No artigo 133, a Constituição estabelece que o advogado é indispensável na prestação e administração da Justiça. O Estatuto da OAB e o Código de Processo Civil também impõem a necessidade de participação de advogado.

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“Ao contrário do que se pode pensar, a ausência do advogado não amplia o acesso à Justiça”, continua Patrícia. “Precariza a prestação jurisdicional, sobretudo à população carente, que é a que mais precisa.

Em nota, o Conselho Federal da OAB enfatizou que “a dispensa do profissional em processos de pensão alimentícia afronta princípios constitucionais essenciais, como a isonomia, o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e o direito à defesa técnica”.

Presidente da Comissão Nacional da Advocacia do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Daniela Mucilo concorda com a OAB. “Esta presença (do advogado) é importante não apenas por quem pleiteia os alimentos, mas também par aquela parte que precisa se opor a tal pedido”, conclui.

No âmbito prático, tal decisão pode ser revertida. Rodrigues explica que o próprio STF pode voltar atrás em novos julgamentos ou recursos - no mesmo caso em novos processos. “Além disso, o Congresso pode aprovar proposta de emenda à Constituição (PEC), em sentido contrário à decisão da Suprema Corte”, diz.

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“No entanto, essas mudanças são complexas e dependem de processo legislativo específico. E há grande fragilidade, pois o próprio STF poderá julgar tal emenda como inconstitucional”, pondera.

O jurista lembra que o caso das pensões não é único no Direito. Há situação parecida prevista na esfera trabalhista, em que as partes têm o chamado “jus postulandi”. “Em outras palavras, a capacidade de se autorrepresentar perante o juízo, sem participação do advogado”, exemplifica Rodrigues. “No âmbito criminal, a impetração de ‘habeas corpus’ também é permitida a qualquer pessoa, inclusive terceiros.”

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