Como pacote anticrime ajudou Pernambuco a acabar com os lixões

Em dez anos, o porcentual de descarte adequado de rejeitos no Estado saltou de 15% para os atuais 100%

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Por Lucas Xavier
Atualização:

Desde março de 2023, Pernambuco não tem nenhum lixão em funcionamento no Estado e, assim, concluiu uma das metas previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Em dez anos, o porcentual de descarte adequado de rejeitos saltou de 15% para os atuais 100% no Estado.

O avanço na regulamentação dos espaços de descarte de lixo resulta de força-tarefa entre Ministério Público de Pernambuco (MP-PE), Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) e Agência Estadual de Meio Ambiente.

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A mudança diverge da realidade do restante do Brasil. Até 2023, 38,9% do lixo urbano produzido no País recebeu disposição final inadequada, conforrme o Panorama de Resíduos Sólidos da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). O prazo para eliminar os lixões no Brasil foi encerrado em agosto, em um cenário ainda distante das metas da Política Nacional.

Em Pernambuco, a atuação conjunta dos órgãos de controle e fiscalização começou a ser estruturada em 2012. Naquele ano, o MP-PE identificou 160 lixões em funcionamento, enquanto o Estado contava com apenas seis aterros sanitários licenciados para atender os 184 municípios e o arquipélago de Fernando de Noronha. Foram criadas e estabelecidas ações de fiscalização de crimes ambientais, além de ações educativas nos municípios.

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Lixão que foi desativado na cidade de Nazaré da Mata Foto: Prefeitura de Nazaré da Mata

Desde 2012, o MP-PE assinou 129 Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) com prefeituras que se comprometeram a implementar as medidas da Política Nacional de Resíduos Sólidos. O TCE abriu 112 processos de auditorias especiais para acompanhamento dos municípios que ainda descartavam os resíduos em locais inadequados. A partir de 2019, o projeto Pernambuco Verde: Lixão Zero incorporou novas medidas, entre elas o compartilhamento de dados em tempo real.

No mesmo período, o MP-PE passou a adotar o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) como forma de negociação com as prefeituras. A medida permite que um acordo seja firmado entre a Promotoria e um investigado para que não haja abertura de processo criminal, se forem cumpridas as cláusulas. O ANPP foi incluído no Código Penal pela Lei 13.964, de 2019, conhecida como “pacote anticrime”.

O recurso jurídico se tornou um importante instrumento de combate a crimes ambientais. Isso porque o descarte inadequado de lixo configura o crime de poluição e se enquadra nos requisitos necessários para a assinatura do acordo, tais como ausência de violência ou grave ameaça e pena mínima inferior a quatro anos de prisão. O crime de poluição prevê pena de 1 a 5 anos de prisão.

A promotora de Justiça Belize Câmara, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do MP-PE, destaca a eficiência dos acordos em casos de crimes ambientais.

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“Muitas vezes, a gente denuncia criminalmente o infrator e o principal, que é a remediação do passivo ambiental ou correção da conduta, não é atendido. O ANPP é um instrumento bem eficaz nesse sentido. Para que a pessoa não seja processada criminalmente, ela precisa reparar aquele dano ambiental”, afirma.

Ao todo, foram firmados 103 ANPPs com municípios que se comprometeram a encerrar os lixões, enviar os resíduos sólidos para aterros sanitários licenciados, adotar medidas de suporte para catadores, recuperar a área degradada e assinar o Termo de Compromisso Ambiental. “Muitas vezes são levadas para o Judiciário demandas que não têm efetividade, porque o processo é lento, burocrático e caro”, diz a promotora.

O ICMS socioambiental, criado em Pernambuco em 2000, também foi adotado como mecanismo para adequar o descarte de resíduos. A lei estadual define repasse de 4% do imposto para os municípios que realizam a deposição dos resíduos em aterros sanitários licenciados. Os gestores que deixarem de recolher o imposto podem ser processados por improbidade administrativa por renúncia de receita do ICMS.

O auditor de controle externo do TCE-PE, Pedro Teixeira, que atua desde 2012 no encerramento dos lixões, ressalta a importância de aliar medidas coercitivas com as educativas. “Não adiantava a gente só cobrar, aplicar multa, tornar inelegível os gestores que estavam abrindo mão do ICMS socioambiental, se a estrutura municipal não permitia e o gestor não sabia nem como fazer”, explica.

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Fiscalização e licenciamento

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Com o objetivo de agilizar os processos de licenciamento, a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) criou uma instrução normativa que simplificou relatórios para liberação dos aterros sanitários. A analista em gestão ambiental do órgão, Anna Eduarda, afirma que o documento reduz a burocracia para emissão do licenciamento, mas não flexibiliza critérios de proteção ambiental.

Ela ressalta que a medida foi importante para acelerar a expansão dos aterros em Pernambuco. O Estado tem 23 aterros sanitários licenciados e outros 14 em processo de análise.

Para monitorar o descarte, a CPRH coleta dados sobre a deposição de resíduos em todos os aterros do Estado. A medida permite verificar, por exemplo, se houve redução drástica na deposição de rejeitos em um aterro, o que pode indicar uso de lixões. Também analista em gestão ambiental da CPRH, Alberto Viana ressalta a importância da visita constante de fiscais aos municípios, mantendo as prefeituras atentas às normas.

Outro desafio para avançar nas metas da Política Nacional envolve a valorização dos resíduos e coleta seletiva. Apesar de reduzir os impactos ao solo e aos mananciais, os aterros sanitários têm capacidade limitada e são grandes emissores de gases do efeito estufa.

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Professor de Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em Geotecnia, José Fernando Thomé avalia que a erradicação dos lixões é uma “batalha vencida”.

Ele explica que é possível reaproveitar todos os resíduos gerados e inseri-los em uma economia circular, com investimento na estruturação jurídica e profissional das cooperativas de catadores de materiais recicláveis.

“No lugar de aterrar, o município pode gerar receita, emprego e renda a partir dos resíduos, diminuindo o que se coloca em aterros sanitários e colocando isso nas mãos de quem recicla, faz compostagem, biodigestores e energia, como combustíveis derivados de resíduos”, explica.

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