Polícia prende mal e Justiça solta? PM deve ser menos violenta e mais inteligente, diz advogado

Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Guilherme Carnelós concorda com posicionamento do ministro Ricardo Lewandowski, de que juízes soltam suspeitos por fragilidade de provas

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Foto do author Giovanna Castro
Atualização:

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse nesta quarta-feira, 19, que o Judiciário é obrigado a soltar detentos que tiveram suas prisões conduzidas de forma errada pelas polícias. Para ele, ex-integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), “a polícia tem de prender melhor”. Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Guilherme Carnelós concorda com o ministro e diz que, quando há soltura, geralmente isso ocorre por insuficiência de provas ou indícios de abuso policial.

Horas antes da fala de Lewandowski, no mesmo dia, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), havia criticado nas redes sociais a reincidência criminal e defendido penas mais duras. “As nossas polícias prendem. E vão prender quantas vezes forem necessárias”, escreveu. Segundo ele, “é preciso combater a reincidência, tornar as penas mais duras, tirar o bandido de uma vez das ruas”.

A ideia de que “a polícia prende e a Justiça solta” divide especialistas e autoridades ligadas à segurança pública e ao cumprimento da lei. Uma parte vê deficiências de investigação policial e apresentação de provas frágeis, o que leva à soltura do suspeitos, além do problema da superpopulação carcerária. Outra parcela critica a postura dos magistrados, ao liberar ou flexibilizar o regime penal dos detentos, sob o argumento de que isso eleva o risco de novos crimes.

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De acordo com Carnelós, entre os principais motivos pelos quais prisões em flagrante são revogadas estão o uso de violência policial na abordagem, que põe em xeque a validade das provas do flagrante e a falta de provas criminais suficientes para decretar prisão temporária ou preventiva até que o caso seja julgado.

“A gente tem uma polícia, aqui no Brasil, extremamente despreparada e violenta. As pessoas são presas com muita violência, com base em trabalhos muito afobados”, afirma Carnelós. “A polícia precisa ser mais inteligente do que ostensiva”, diz.

“É papel do policial (militar) que faz uma prisão em flagrante colher todas as evidências viáveis e possíveis, preservar essas evidências, para que uma futura investigação aconteça e chegue a um bom termo. Não importa se a pessoa foi presa nesta ou naquela circunstância. Importa é se existe prova contra aquela pessoa.”

Segundo ministro Ricardo Lewandowski, Justiça só solta presos cuja prisão foi feita sem provas confiáveis e um processo rigoroso. Foto: Adobe Stock

Segundo o especialista, a afobação em uma abordagem da Polícia Militar tende a minar as chances de se colher provas no local, algo essencial para a Justiça. E, acrescenta o advogado, quando há uma abordagem policial violenta, a tendência é que as provas do crime de violência policial se sobressaiam às que poderiam incriminar os suspeitos.

É o que acontece, por exemplo, quando os policiais chegam em uma comunidade já atirando e a maioria dos vestígios de bala de fogo encontradas são da polícia, e não dos supostos bandidos, afirma Carnelós. “Uma abordagem que é feita baseada em racismo e não por indícios de crime cometido também acaba sendo invalidada.”

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Ministro da Justiça e Segurança e Pública, Ricardo Lewandowski, atribuiu as solturas de presos pela Justiça à falta de coleta de provas e criação de processo bem estruturado por parte da polícia. Foto: Jamile Ferraris/MJSP

Aproximadamente 40% dos presos em flagrante são soltos em audiência de custódia, procedimento que atesta a legalidade ou não das prisões em casos ainda não julgados. Em 7,6% dos casos, há relatos de tortura ou maus tratos cometidos pela polícia contra os suspeitos.

Os dados são do Sistema de Audiência de Custódia (Sistac), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e consideram os registros desde a implementação das audiências no Brasil, em 2015, até setembro do ano passado.

As audiências foram adotadas no País para resguardar a integridade das pessoas presas e evitar a prisão de inocentes. Antes, o primeiro contato com a Justiça levava, em média, 120 dias, segundo dados do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Com a audiência de custódia, o prazo para a primeira análise do caso é de 24 horas.

“As audiência de custódia têm regramento e importância muito válida, que deve ser defendida. É um compromisso do Brasil, está nos tratados internacionais que firmou perante a Corte Internacional de Direitos Humanos”, continua o presidente do IDDD.

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Para ele, é necessário treinar policiais para serem mais estratégicos e técnicos tanto na abordagem de suspeitos, quanto na investigação e na construção dos processos que vão para a mesa do juiz, cumprindo os requisitos legais para prisão.

Em sua fala nesta quarta-feira, o ministro Lewandowski afirmou que nenhum juiz “soltará um criminoso” preso de forma correta, com apresentação de indícios probatórios e um processo bem estruturado.