A população em situação de rua no Brasil cresceu dez vezes em uma década, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O número subiu de 21.934 em 2013 para 227.087 até agosto de 2023, segundo dados apurados no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal.
A principal causa de evasão do lar, apontada por 47,3% das pessoas em situação de rua, envolve problemas com familiares ou companheiros. Desemprego, citado por 40,5%, alcoolismo ou drogas (30,4%) e perda de moradia (26,1%) são os outros motivos principais.
De acordo com Marco Antônio Natalino, especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ipea, quanto maior o tempo de permanência na rua, mais se agravam os problemas com familiares e companheiros. “O mesmo ocorre, e de forma ainda mais intensa, com os motivos de saúde, particularmente o uso abusivo de álcool e outras drogas. As razões econômicas, por sua vez, como o desemprego, estão associadas a episódios de rua de mais curta duração”, disse.
Os dados mostram que 69% dos moradores de rua são negros e, do total, 22,5% estão nessa condição há mais de cinco anos, sendo que 11,7% já completaram dez anos de rua. Um número maior (33,7%) está fora do lar pelo período de até 6 meses, enquanto 14,2% entre seis meses e um ano, 13% entre um e dois anos e 16,6% entre dois e cinco anos. O estudo do Ipea revela que 70% dessa população permanece no mesmo Estado em que nasceu.
Embora as mulheres sejam somente 11,6% da população adulta na rua, 35% delas são responsáveis por grupos familiares nessas circunstâncias. Mesmo entre os inscritos no Cadastro Único, 24% não possuem certidão de nascimento.
Entre os adultos, 29% não têm título de eleitor e 24% não possuem carteira de trabalho. Pelo menos 69% dos adultos fazem alguma atividade para ganhar dinheiro, mas só 1% têm emprego com carteira assinada. A evasão escolar é alta: apenas 58% das crianças e adolescentes de 7 a 15 anos frequentam a escola.
Dados sobre a população de rua no Brasil
- 227.087 moradores em situação de rua em 2023
- 69% são negros (51% pretos, 18% pardos)
- 57% têm entre 30 e 49 anos
- 70% moram em seu Estado natal
- 4,7% são estrangeiros
- 47,3% estão na rua por problemas familiares
- 40,5% por desemprego
- 30,4% por álcool ou drogas
- 24% não possuem certidão de nascimento
- 58% das crianças e adolescentes em idade escolar estão fora da escola
- 14% possuem alguma deficiência
- 1% tem emprego com carteira assinada
Segundo Natalino, a pobreza, o desemprego e a falta de moradia a preços acessíveis são os principais aspectos econômicos que resultam na perda do lar. “A insegurança alimentar e a falta de oportunidade de trabalho nas periferias e no interior levam as pessoas a sobreviverem nas ruas das grandes cidades como catadores de material reciclável, lavadores de carros, ambulantes e profissionais do sexo. Nós sabemos que há quase uma década o Brasil vem enfrentando crises econômicas sucessivas. Até mesmo a insegurança alimentar grave, a fome, voltou a ser um problema nos últimos anos”, avaliou.
A análise aponta que 60% das pessoas em situação de rua não vivem na cidade em que nasceu, mas 70% delas vivem no mesmo Estado de nascimento. “Há, por exemplo, mais sergipanos em situação de rua em Sergipe do que na Bahia, e mais pernambucanos em situação de rua em Pernambuco do que em São Paulo”, citou. O levantamento mostra ainda que, no geral, o movimento é das periferias em direção aos centros metropolitanos.
Conforme o pesquisador, quanto maior a aglomeração humana em determinada localidade, maior a incidência de pessoas em situação de rua. “Quanto mais populosa a cidade, maior o número proporcional da PSR (população em situação de rua). Além disso, o grau de centralidade e dinamismo econômico do município exerce um efeito de atração de populações mais pobres, que buscam sustento por meio de empregos precários e, sem meios para pagar uma moradia suficientemente próxima do local de trabalho, podem acabar em situação de rua”, disse.
Do total de pessoas em situação de rua no país, 10.856 são estrangeiros (4,7%). A maioria vêm de países vizinhos, sendo 30% da Venezuela. Outros 32% são provenientes da Angola, país africano de língua portuguesa como a nossa. A Ásia responde por 15% da população de rua estrangeira, incluindo 1.396 afegãos.
Outros países africanos somam 6%, incluindo 149 marroquinos. Já outros países latino-americanos e caribenhos respondem por 4%, incluindo 169 haitianos.
De acordo com o estudo, a idade média das pessoas nas ruas é de 41 anos, sendo que 57% têm entre 30 e 49 anos. Os jovens entre 18 e 29 anos somam 15%, e aqueles com idade entre 50 e 64 anos correspondem a 22%. Crianças e adolescentes somam 2,5%, e idosos, 3,4%.
Natalino explica que a população idosa vulnerável, quando acima de 65 anos, têm direito a benefício social de 1 salário mínimo. Além disso, idosos que estão em unidades de acolhimento não são contados como população de rua. Porém, 14% do total apresentam alguma deficiência.
Para o pesquisador, a conjuntura em que o estudo se inscreve é marcada pelo aumento exponencial do número de pessoas em situação de rua devido às seguidas crises econômicas da última década e ao agravamento da questão decorrente da pandemia de covid-19. Isso levou o Supremo Tribunal Federal a emitir uma medida cautelar que torna obrigatória a observância das diretrizes da Política Nacional da População em Situação de Rua por todos os estados e o Distrito Federal.
Além disso, o STF determinou a elaboração, pelo executivo federal, de um plano de ação e monitoramento para a efetiva implementação da PNPR. Como parte desse plano, a cautelar prevê a elaboração de um diagnóstico atual da população em situação de rua e a criação de instrumentos de diagnóstico permanente da mesma.
Segundo Natalino, o objetivo do estudo é apresentar um diagnóstico atual da situação e colaborar com o aprimoramento das políticas públicas voltadas à população em situação de rua.
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