Por que a Justiça proibiu fumante de conviver com o filho recém-nascido

Acordo antenupcial previa que pai abandonasse cigarro; magistrado viu risco à saúde da criança, mas desembargador derrubou liminar e criticou falta de laudo médico que mostrasse perigo

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Por Aline Reskalla
Atualização:

Por causa do cigarro, a Justiça do Amazonas suspendeu por três meses a convivência de um pai com o filho recém-nascido. A ação com pedido de liminar foi movida pela mãe do bebê, que se separou no 8º mês de gravidez e obteve a guarda unilateral provisória. O pai conseguiu derrubar a decisão, mas advogados de Direito de Família viram uma uma inovação na liminar dada em 1ª instância.

A mãe alegou que o agora ex-marido se mostrou “irredutível” em relação “ao odor do cigarro” nas visitas que fazia ao filho. Por isso, precisava assegurar o “bem-estar, a saúde e a integridade física da criança, que possui menos de um mês de vida”. Esse resultado da sentença, dada em setembro, foi divulgada neste mês pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam).

Restrição ao cigarro estava em pacto antenupcial assinado pelos pais Foto: Jason Reed/Reuters

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O juiz Vicente de Oliveira Rocha Pinheiro, da 6ª Vara da Família de Manaus, afirmou, na decisão, que o bebê “está sendo exposto, a cada visita do genitor, ao forte odor das substâncias contidas em um cigarro (como: nicotina, amônia e alcatrão), o que certamente pode desencadear crises de alergia respiratória e outros problemas mais graves ao menino”.

Mesmo antes de se casar, a mulher já havia deixado claro que o fato de o marido ser fumante a incomodava. Eles chegaram a fazer um pacto antenupcial incluindo a proibição ao uso do cigarro. Mas o parceiro, segundo ela, descumpriu esse combinado.

O magistrado dispensou a oitiva do pai por conta da “particularidade” da ação. E disse ter levado em conta “a tenra idade e a presunção de maior dependência aos cuidados maternos, além de uma pertinente guarda de fato/física e a vulnerabilidade”. Na liminar, Pinheiro diz que teve acesso a “farta e consistente documentação”.

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“Como forma de inibir essa reiterada conduta inadequada, irresponsável e desobediente do genitor, no que toca aos cuidados básicos de saúde do seu próprio filho; resolvo suspender - a princípio - por três meses a convivência entre pai e filho física (…) sem prejuízo de visitas dos avós paternos (e tios e tias)”, afirmou o juiz.

Ao Estadão, a assistente do juiz Pinheiro, Tayana Assayag Dutra, disse que ficou clara a resistência do pai em proceder uma higiene básica antes de encontrar o bebê. “Analisamos o grande número de mensagens da mãe pedindo para ele tomar banho antes de visitar o filho, ou usar enxaguante bucal, mas ele não fazia a higiene básica. O pacto antenupcial foi determinante para a decisão, mas não foi apenas por causa dele que a decisão foi tomada”, disse.

Tayana conta que, na época em que o pacto foi firmado, o homem se encontrava em tratamento para largar o vício, mas após o casamento ele voltou a fumar, sendo este um dos fatores que levaram à separação. “Segundo a mãe, que tinha muita alergia, a convivência se tornou insurportável”, disse Tayana Dutra.

Logo após a sentença, proferida no dia 4 de setembro, quando o bebê tinha 26 dias, o pai recorreu alegando que não poderia ter o direito de conviver com o filho negado e teve o recurso aceito, em partes. “Porém o homem se mudou em seguida para Portugal, onde vive atualmente, e não chegou a ver o filho após a decisão de afastamento ser reformada”, informou a assistente do magistrado. Os nomes dos envolvidos não foram divulgados porque o processo corre em segredo de Justiça.

O desembargador Yêdo Simões de Oliveira, da 2 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas, acatou em parte o agravo de instrumento impetrado pelos advogados do pai - este afirmou que afastar-se do filho provocaria “dano de difícil ou impossível reparação”. Ele também entendeu que decisão do juiz não respeitou o contraditório.

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Em sua decisão, Oliveira disse não parecer “razoável afastar o filho do convívio paterno apenas em razão do uso do cigarro pelo agravante, ainda mais sem que tenha sido acostado qualquer laudo médico que ateste o perigo ao menor”, disse na sentença. No mesmo documento, porém, o magistrado proíbe o homem de fazer uso do cigarro durante as visitas ao filho sob risco de suspender novamente as visitas”.

Pactos antenupciais ficam mais comuns, dizem advogados

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A advogada especializada em Direito de Família Camila Dias afirma que prevaleceu, na 1ª decisão, o melhor interesse da criança, conforme determina a Constituição. “Acredito que não cabe ao Estado escolher o formato das famílias nem definir como os pais vão educá-los, mas há um limite, que é a saúde da criança.” Por outro lado, ela afirma que a decisão trouxe lacunas, como sobre outras possíveis formas de contato, mesmo que virtuais.

Os pactos antenupciais são contratos realizados entre os cônjuges, podendo ser utilizado para estabelecer o regime de bens, além de outras questões que, não necessariamente, tenham cunho patrimonial.

“Muitos ainda acreditam que o pacto sirva apenas para estabelecer questões patrimoniais, relacionadas à partilha de bens em caso de eventual divórcio. Mas, na verdade, o instrumento tem sido cada vez mais usado para questões extrapatrimoniais, como é o caso envolvendo a 1ª decisão”, diz Priscila Martins, advogada familiarista do escritório Chalfun Advogados Associados.

Ela avalia que os pactos antenupciais são uma tendência que começam a ganhar força no País. Segundo ela, no caso do Amazonas, o acordo no qual ele se compromete a parar de fumar constitui prova documental da anuência do pai que foi desrespeitada posteriormente.

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“É de conhecimento de todos o direito de convivência de ambos os genitores com o filho menor. E em um primeiro momento, pode parecer que a decisão infringe esse direito. Ocorre que, em certas situações, é preciso mitigar algumas garantias, para que se façam valer outras mais relevantes”, afirmou a especialista.

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