O questionamento começou a pipocar nas redes sociais logo depois que os primeiros resultados do Censo 2022 foram divulgados na última quarta-feira, 28: Os brasileiros desistiram de se reproduzir? A brincadeira tem fundamento. Segundo a contagem feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) somos 203,1 milhões – um número muito menor do que o projetado pelo próprio instituto em dezembro do ano passado, 207,8 milhões.
Os novos dados do IBGE revelaram também que nos últimos 12 anos a taxa média de crescimento anual da população foi de 0,52% -- a primeira abaixo de 1% e a menor registrada desde o primeiro levantamento feito no País, em 1872. Além de uma queda acentuada da taxa de fecundidade, a única outra explicação para tamanho recuo seria a saída de brasileiros do País em grande número.
De acordo com especialistas, isso até aconteceu, sobretudo depois da crise econômica de 2016, mas não há indícios de que tenha sido tão expressiva a ponto de mudar a projeção nessa proporção. É preciso que tenha havido também uma queda da fecundidade maior do que a prevista. Resumindo, se os resultados do Censo 2022 estão corretos, a pergunta se aplica: por que os brasileiros estão tendo cada vez menos filhos?
A resposta não é simples.
Em 1960, o número médio de filhos por mulher era de 6,28. Já no fim da década de 1960, a taxa de fecundidade começou a cair, chegando a 1,90 no Censo de 2010. A taxa de fecundidade do Censo 2022 ainda não foi divulgada, mas estimativas do próprio IBGE indicam que, em 2023, ela chegaria a 1,75. Diante do número total de brasileiros aferido pelo instituto no último censo, tudo indica que a taxa deve ter caído ainda mais.
“Quando se trata somente da questão da fecundidade, já temos indícios de que ela vem caindo nos últimos anos num ritmo um pouco maior do que o projetado originalmente mesmo antes da pandemia de covid-19″, afirmou o gerente de Estimativas e Projeções de População do IBGE, Márcio Mitsuo Minamiguchi.
Uma das explicações mais recorrentes para a queda da fecundidade é econômica. “Numa sociedade rural, pouco desenvolvida, o custo de um filho é baixo e os benefícios são altos (porque eles podem trabalhar no campo e amparar os idosos)”, explica o demógrafo José Eustáquio Diniz. “Numa sociedade urbana, industrial, o custo dos filhos é muito alto. Quando isso acontece, evidentemente, a fecundidade cai. Quanto mais filhos eu tiver, mais gastos eu vou ter e os benefícios são pequenos. Então as pessoas optam por ter poucos filhos e dar a eles mais qualidade de vida.”
Crescimento anual da população do Brasil desde 1872
“A tendência da queda demográfica já era esperada”, afirma o pesquisador Roberto Olinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, ex-presidente do IBGE. “A urbanização, o trabalho, o estresse, a escassez de escolas públicas, o alto custo das escolas privadas, todo esse fenômeno leva a uma redução da população. Os casais começam a não ter mais capacidade ou mesmo vontade de ter filhos.”
É o caso do motoboy Santiago Ferreira, de 43 anos, motoboy. A decisão de não ter filhos foi tomada principalmente pensando nos aspectos financeiros e na violência que ele sabia que a criança encontraria nas ruas. Ele conta que cresceu vendo sua mãe ter dificuldades em criar seus seis filhos e tendo que ajudar a cuidar dos que eram mais novos que ele.
“Ali, eu já vi que era difícil”, diz. “Depois, quando eu comecei a trabalhar, na adolescência, vi o quanto a grana era curta e o quanto o mundo era violento para colocar mais uma pessoa para viver nele.”
A questão de gênero também tem um peso considerável, apontam os especialistas. Cada vez mais mulheres optam por se dedicar à carreira e adiam a gravidez. Muitas optam por não ter filhos. A escassez de serviços gratuitos de apoio à maternidade, como creches, também contribui para a decisão.
“(Com a queda constante da fecundidade) cada vez temos uma geração menor de mulheres chegando à idade reprodutiva”, aponta Minamiguchi. “Mas temos também cada vez mais mulheres escolhendo não ter filhos. Quanto mais anos de estudo uma mulher tem, maior a chance de ela decidir não ter filhos e investir na carreira. Há ainda as que decidem adiar (para se dedicar à carreira) a maternidade e depois acabam, por um motivo ou outro, não tendo filhos.”
Foi o medo de perder a sua liberdade que levou Cristiane Schneider, uma pedagoga de 43 anos, a optar por seguir sem filhos. Ela conta que teve pais idosos e, por isso, preferiu se dedicar apenas a cuidar deles, sem se desdobrar cuidando também de crianças. Dessa forma, sobrou mais tempo para viajar e focar na sua carreira, pontos essenciais em sua vida.
Fernanda Correia, de 37 anos, coordenadora financeira, diz que entende que criar e educar uma criança é uma grande responsabilidade — e que esta não era para ela. “Escolher não ter filhos é uma escolha pessoal e deve ser respeitada. As redes sociais desempenham um papel fundamental na ampliação da discussão desse tema. Hoje, com a diversidade de opiniões, mais pessoas se sentem à vontade em expressar o seu desejo de não ter filhos”, diz.
A opinião é compartilhada pela assistente administrativa Renata Cavichioli, de 31 anos. “Após os meus 26 anos eu fui compreendendo que ser mãe é uma escolha e não uma obrigação. Então, foi aí que eu tive a decisão de não ter filhos”, afirma. Segundo ela, medo de perder a liberdade, dificuldades econômicas e violência do mundo atual foram os fatores determinantes da sua tomada de decisão. Renata, assim como outras mulheres, sofreu pressão de familiares e amigos e chegou a questionar sua própria decisão, mas, depois, entendeu que era algo que só dizia respeito a ela.
“Há uma mudança sensível na forma como as mulheres avaliam o peso da decisão de ter filhos, que passa não apenas pela questão econômica, mas também por questões pessoais, como o impacto na carreira”, pondera a professora Juliana Diniz, da Universidade Federal do Ceará, pesquisadora na área de relações de gênero. “Por outro lado, as novas gerações de mulheres jovens têm uma consciência feminina mais profunda que muitas vezes não é acompanhada por uma mudança social significativa na divisão do trabalho doméstico, do cuidado com os filhos. Ou seja, os homens não apresentam uma mudança comportamental à altura dessa conscientização das mulheres. Isso acaba desestimulando.”
É o caso da designer gráfica Amanda Pires (nome fictício), de 37 anos, que decidiu que não queria ter filhos aos 34 anos. A motivação foi pessoal, mas também coletiva. “Sempre me preocupei com a situação do planeta, no lixo que cada pessoa produz e no impacto que isso causa”, afirma. “Quando penso no custo de se ter um filho e no quanto as mulheres são sobrecarregadas em tantos setores da vida com essa decisão, a conta não fecha.”
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