A produção de ouro no Brasil despencou 84% nos últimos dois anos após medidas para combater a extração e o comércio ilegal do metal. A conclusão é de estudo lançado neste mês pelo Instituto Escolhas. As estimativas foram calculadas com base em dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do portal Comex Stat, o site oficial para as estatísticas de comércio exterior do Brasil.
Duas medidas tiveram efeitos expressivos no mercado:
- a obrigatoriedade de notas fiscais eletrônicas nas transações;
- o fim do pressuposto da boa-fé, que presumia a legalidade do metal por parte do vendedor, mesmo que não houvesse comprovação sobre a origem da extração
Especialistas alertam, no entanto, que o fato de o comércio de ouro ilegal ter diminuído não significa necessariamente que o garimpo ilegal não esteja mais ocorrendo.
Estudos feitos a partir de imagens de satélite, por exemplo, mostram que a redução pode não ter sido tão significativa, apenas que o ouro deixou de ser vendido no Brasil e está sendo comercializado em países fronteiriços, onde a lei é menos rígida.
O combate à mineração irregular é crucial na proteção da Amazônia, onde o garimpo chegou a cerca de 80 mil localidades nas últimas quatro décadas. A preservação da floresta é fundamental para frear a crise climática e o desmate é a principal fonte de emissões de gases estufa no Brasil.
Entre os efeitos da mineração irregular, estão contaminação de rios com mercúrio, destruição das roças de comunidades locais e fuga dos animais que servem de alimento. O contato com homens brancos ainda eleva a transmissão de doenças que podem ser fatais em indígenas, como gripe e covid-19.
Em 2022, os garimpos registraram produção de 31 toneladas de ouro. No ano seguinte, quando as novas regras entraram em vigor, o total foi de 17 toneladas, queda de 45%, equivalente a R$ 4,3 bilhões.
Entre janeiro e julho deste ano, a produção de ouro já é 84% menor do que a registrada no mesmo período de 2022. Mais de 70% da queda na produção dos garimpos em 2023 foi registrada no Pará. Nos primeiros sete meses de 2024, o recuo da produção garimpeira no Estado já é de 98%.
Outro ponto crítico de exploração de ouro no bioma é a Terra Indígena Yanomami, maior reserva do tipo no País, em Roraima. Mesmo após ação do governo federal, a área viu o retorno do garimpo, que exerce domínio armado e atrapalha a ação de órgãos públicos, como Funai e agentes de saúde.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente respondeu que nota técnica da pasta apontava a redução. “A área de mineração entre janeiro e março de 2024 somou somente 7km2, o menor valor para o período desde 2017.” A é atribuída ao Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, ações emergenciais e decisões do Judiciário, segundo o texto.
O efeito das medidas adotadas também foi sentido nas exportações brasileiras de ouro. Em 2023, elas diminuíram 29% e, entre janeiro e julho, o volume exportado foi 35% menor do que o registrado no mesmo período em 2022. No ano passado, os Estados que registraram as maiores quedas nas exportações foram São Paulo (que escoa a produção dos garimpos da Amazônia) e Mato Grosso.
A queda das exportações foi registrada, principalmente, nas vendas para Índia, Emirados Árabes Unidos e Bélgica que, juntos, deixaram de comprar 18 toneladas de ouro de São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
“Esse absurdo (presunção da boa-fé) foi um jabuti colocado pelo Congresso Nacional numa medida provisória durante o governo Dilma (Rousseff, em 2013)”, afirmou o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, que apoiou a ação para a derrubada dessa regra junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Com a adoção de medidas de controle onde, sabidamente, há indícios de ilegalidade, o mercado encolheu mesmo com o alto preço do ouro. Isso significa que portas foram fechadas para o ouro ilegal”, diz a coordenadora da pesquisa, Larissa Rodrigues, do Instituto Escolhas.
“Se, antes, o metal era facilmente ‘esquentado’ e exportado como legal, agora a história mudou, com o aumento dos custos e dos riscos das operações ilícitas”, continua.
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Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, afirma que a legislação mais rígida ajuda, mas não é o suficiente. Segundo ela, o fato de as exportações terem caído não significa necessariamente que os garimpos ilegais em terras indígenas e unidades de conservação diminuíram ou pelo menos não recuaram tanto quanto os números parecem indicar.
“Outra forma de fazer essa análise é por meio de imagens de satélite”, afirma. Segundo ela, outras avaliações já feitas, como a da ONG Greenpeace, não corroboram a redução nesse volume.
“Uma explicação possível é que o ouro deixou de ser inserido no mercado legal no Brasil, porque agora temos legislação mais rígida, mas está sendo ‘esquentado’ em países fronteiriços sem regulação tão forte, como Venezuela, Peru e Colômbia.”
Segundo a pesquisadora do Instituto Escolhas, as medidas são apenas os primeiros passos. “Combater a extração ilegal deve ser prioridade porque a prática provoca danos ambientais e sociais enormes e de difícil reversão, além de estabelecer concorrência desleal”, ressalta.
“O garimpo ilegal está ligado ao narcotráfico, à lavagem de dinheiro, à prostituição, à contaminação dos rios”, afirma Jungmann. “Garimpo ilegal é caso de polícia, não tem nada a ver conosco. Somos parte da economia do País, não parte de uma economia criminosa.”
Como combater o garimpo ilegal?
Entre as novas medidas a serem adotadas, defende Larissa, estão a obrigatoriedade de mudanças nas operações garimpeiras, ampliando obrigações sociais e ambientais.
O estudo sugere, por exemplo, que as operações garimpeiras se tornem regimes de concessão de lavra quando atingirem determinado volume. “Com uma estruturação empresarial, seria possível dimensionar e lidar melhor com os impactos da atividade”, aponta.
Em nota, a Agência Nacional de Mineração (ANM) diz que o regime de permissão de lavra garimpeira (PLG), em sua concepção técnica e jurídica, “atende à pequena mineração, com menor nível de burocracias se comparado aos demais mecanismos existentes”, mas “respeito a legislação mineral e ambiental”.
O órgão federal diz ainda que tem exigido, desde 2021, um projeto de solução técnica para os garimpos, com identificação dos métodos de lavra, relação de equipamentos, escalas de produção e outros itens.
Além disso, ANM informa que está elaborando novas regras para os garimpos, que preveem a delimitação de até 50 hectares para pessoas físicas e firmas individuais, georreferenciamento, aproveitamento de rejeitos, balanço do uso de mercúrio, entre outras exigências.
Procurado para comentar o estudo, o Banco Central não se manifestou.
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