Porte de drogas para consumo próprio: o que significa o julgamento no STF

Supremo retoma discussão parada desde 2015; especialistas defendem maior participação social na criação de parâmetros que diferenciem uso individual do tráfico

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Foto do author João Ker
Atualização:

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira, 2, o julgamento sobre a constitucionalidade do crime de porte de drogas para consumo próprio. A discussão foi interrompida ainda em 2015 e incluída agora na pauta pela presidente da Corte, Rosa Weber. Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam que o veredito pode influenciar casos já julgados ou em trânsito, além de pressionar o Congresso a definir novos parâmetros para a Política Nacional Sobre Drogas.

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O julgamento decide especificamente a punição prevista para quem “comprar, guardar ou portar drogas sem autorização para consumo próprio”. Hoje, segundo o artigo 8 da Lei 11.343/06, as penas previstas variam entre “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

Três ministros já votaram a favor da descriminalização, entre eles o relator do caso, Gilmar Mendes. Em seu entendimento, a legislação atual afeta “o direito ao livre desenvolvimento de personalidade para diversas manifestações” e “parece ofender de forma desproporcional a vida privada e a autodeterminação”. Ainda em 2020, o Estadão mostrou que o magistrado foi o ministro que mais concedeu habeas corpus em decisões monocráticas em dez anos, a maioria deles em casos referentes ao tráfico de drogas.

Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso acompanharam o voto do relator e consideraram que a lei é inconstitucional, mas fizeram ressalvas. O primeiro defendeu que a descriminalização deveria ser aplicada apenas para o porte e uso da maconha e não se aplicaria a outras drogas; já o segundo propôs que o usuário poderia ter apenas limite de 25 gramas ou manter o cultivo de seis plantas para não ser considerado traficante.

Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes defende que a legislação atual sobre criminalização do porte e uso de drogas afeta 'o direito ao livre desenvolvimento de personalidade para diversas manifestações' Foto: Carlos Alves Moura/STF

Ainda em 2015, o julgamento foi suspenso quando o ministro Teori Zavascki pediu vista dos autos. Com sua morte dois anos depois, a vaga foi ocupada por Alexandre de Moraes, que só encaminhou o julgamento para a fila da pauta no fim de 2018.

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Embate com o Legislativo

A descriminalização do porte de drogas apenas para a maconha, a quantidade portada para ser considerada tráfico e os critérios para tais análises são temas de discordância entre alguns membros do Supremo. Alguns defendem que essa competência não caberia ao Judiciário, mas sim ao Legislativo, além de entenderem também que o Executivo deve ter papel de expansão da decisão ao abordar o tema pelo viés da saúde pública.

“Enquanto não houver pronunciamento do Poder Legislativo sobre tais parâmetros, é mandatório reconhecer a necessidade do preenchimento dessa lacuna”, disse Fachin em seu voto, referindo-se os critérios para a diferenciação entre usuário e traficante em seu voto. Gilmar também criticou a forma como o processo é feito hoje, em que cabe a um delegado de polícia definir a classificação da pessoa apreendida.

Professor de Processo Penal da PUC-SP, Cláudio Langroiva aponta que a decisão do STF pode pressionar os outros dois Poderes, provocando principalmente a necessidade de o Legislativo alterar o Programa Nacional de Drogas vigente. “Não basta o Supremo tomar essa decisão se não houver pensamento do governo em saúde pública. Ministros que não têm formação médica ou científica não podem decidir sobre uma substância específica. Não dá para escolher qual droga descriminalizar.”

“O papel de uma corte constitucional é realizar o controle da constitucionalidade de leis e atos normativos. E essa legalidade faz parte do papel da corte”, afirma Cristiano Maronna, advogado e diretor da organização Justa, que pesquisa o Sistema de Justiça brasileiro.

Ambos acreditam que o caminho ideal seria uma participação mais ativa da sociedade e até do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD, órgão ligado ao Ministério da Justiça) na criação de novos parâmetros sobre o tema.

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“Tudo vai depender da interpretação que o Supremo daria para a descriminalização”, diz Guilherme Carnelós, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). “Acredito que o olhar social sobre o tema é diferente do que era em 2015. Mas hoje também temos um Congresso mais conservador que antes.”

Experiência internacional e repercussão

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O debate sobre a competência ou não do Judiciário de julgar casos como a criminalização do porte de drogas já foi superado em outros países nos últimos anos, ainda que tenha custado certo atrito com o Legislativo. As cortes superiores da Colômbia e da Argentina abordaram o tema nos últimos anos e ambas entenderam que a legislação vigente era inconstitucional.

“Na Corte Constitucional da Argentina, a decisão foi baseada na liberdade individual. Ela diz que ações individuais que não ferem o interesse de terceiros dizem respeito a Deus e a ninguém mais e não podem ser objeto do escrutínio público”, explica Langroiva. O entendimento de que o uso de drogas é uma questão exclusivamente “privada”, neste caso, é similar ao defendido por Gilmar Mendes no Brasil.

Já na Colômbia, a descriminalização do uso e porte de drogas provocou reação do Congresso, que aprovou uma nova lei punindo a conduta. Mas, a corte mudou o veredito e declarou novamente que a legislação era inconstitucional.

No Brasil, a expectativa de juristas é de que, caso seja descriminalizado, o porte e uso individual de drogas possa criar uma onda de pedidos de revisão para casos já julgados ou ainda em tramitação sobre o tema. “Essa questão também desemboca em um tema mais amplo, que é as drogas como uma porta de entrada para um sistema carcerário superlotado, principalmente quando depende da descrição do policial para definir o que é uso ou tráfico”, afirma Carnelós.

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