LISBOA - Faltando poucos dias para o fim do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão responsável por controlar a entrada em Portugal e emitir autorizações de residência no país, ainda não há detalhes de como vai funcionar a nova agência que assumirá as funções administrativas. A falta de informações às vésperas da transição afeta milhares de imigrantes brasileiros em processo de regularização.
A comunidade brasileira que reside oficialmente em Portugal nunca foi tão grande: chegou no fim de setembro a 393 mil pessoas, informou o SEF. No final de 2022, o número era de 240 mil.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras deixa de existir em 29 de outubro, quando deve entrar em funcionamento a AIMA. Há 12 mil entrevistas de imigrantes brasileiros agendadas até março de 2024 – a expectativa é de que as datas sejam mantidas sob o novo órgão, embora não haja confirmação oficial.
O órgão chegará ao fim com muito trabalho ainda por fazer. Segundo uma estimativa do jornal Diário de Notícias, há 270 mil processos com pedido de residência em aberto. O SEF não divulga oficialmente esses números, mas não há dúvidas de que estava sobrecarregado há anos.
A população estrangeira em Portugal duplicou desde 2016, alcançando no final de 2022, mais de 700 mil residentes, sem que tenha havido reforço de pessoal.
A extinção do SEF implica uma divisão das atividades entre sete organismos estatais. A principal diferença será a separação das atribuições administrativas de emissão de autorizações de residência das funções de controle de fronteiras, que passará para entidades policiais. A reestruturação foi decidida em novembro de 2021 e já teve de ser adiada por duas vezes.
“Essa separação da polícia com o administrativo é simbólica, porque o imigrante não tem que se dirigir à polícia para regularizar sua situação, mas o que temos agora é uma grande incógnita. Parece que muitos problemas vão transitar para a nova agência, como a falta de pessoal, o caos do sistema informático”, afirma Cynthia de Paula, presidente da Casa do Brasil em Lisboa.
Ela lembra que tem sido comum pessoas levarem de dois a três anos para regularizar sua situação documental, mesmo já atendendo todos os requisitos previstos na lei.
Reduzir a espera
Em esforços para reduzir a espera, o SEF implantou um sistema que libera da entrevista presencial imigrantes de países de língua portuguesa. Outra medida que tem tido grande impacto é a renovação automática de Autorização de Residência, em um processo agora totalmente online. “Mais de 300 mil cidadãos renovaram a sua autorização de residência com recurso a esta funcionalidade”, informou o Serviço.
Quem não se encaixa nessas categorias, contudo, continua a enfrentar dificuldades. “Há uma insegurança entre as pessoas. Já é confuso lidar com o SEF, e ainda falam que ele vai acabar, sem ninguém explicar o que acontece depois”, afirma o advogado Pedro Lages, que trabalha com regularização de imigrantes. Segundo ele, tem sido “dificílimo” conseguir contato com o SEF e agendar entrevistas.
“O SEF passou 11 meses sem abrir vagas para fazer o reagrupamento familiar (quando pessoas pedem autorização de residência para ficar junto de cônjuges, pais ou filhos já moram legalmente no país). Numa tarde de quinta-feira, abrem-se vagas. O SEF recebe milhões de ligações e, em 24 horas, as vagas acabam. Quem não conseguiu agendar continua sem”, conta o advogado.
O SEF informou que este ano foram “ocupadas” 10.561 vagas de reagrupamento familiar, sem informar quando voltará a ser possível fazer agendamentos.
Desafios da comunidade brasileira
A comunidade brasileira enfrenta uma série de desafios em Portugal, como o alto custo da moradia, dificuldade de acesso a serviços públicos e baixos salários.
Faz dois meses que, inconformada por gastar metade do que ganhava apenas para alugar apenas um quarto, a paulista Andreia Costa, de 49 anos, mora em uma barraca de acampamento em um terreno em Cascais. Na verdade são duas: “Uma barraca é o meu quarto, a outra é o meu closet, porque mulher tem muita coisa”, diverte-se ela.
Como faz faxinas, combina com os patrões para tomar banho e lavar roupas no serviço. “Mas hoje tomei banho no chuveiro da praia mesmo”, contou ela no dia que falou à reportagem.
Andreia não está sozinha: no local há cerca de dez barracas e alguns trailers. A maioria virou casa de brasileiros que, apesar de estarem com trabalho, não têm conseguido arcar com os altos valores dos aluguéis.
“Tem uma menina com dois empregos que se mudou para cá faz poucos dias. Ela alugava um quarto, mas chegava no apartamento e era tanta bagunça que não conseguia descansar. Eu vim aqui como uma decisão estratégica, para conseguir juntar algum dinheiro”, conta Andreia. A reportagem encontrou outros seis brasileiros no local, mas eles não quiseram dar entrevista.
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