Processo de cidadania italiana pode ter mais mudanças; veja o que o governo planeja

Como incentivo à ‘imigração de retorno’ de descendentes, governo quer incluir a manutenção de laços com a Itália como condição para direito à nacionalidade e desafogar fluxo dos consulados

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Foto do author Isabela Moya
Atualização:

Para além do decreto-lei que restringe o reconhecimento da cidadania italiana por “direito de sangue”, o governo do país europeu quer implementar outras mudanças. Essas alterações devem ser publicadas em dois projetos de lei elaborados pelos ministros italianos e que ainda precisam ser apresentados ao parlamento local.

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O decreto que limita a cidadania a filhos e netos de nascidos na Itália entrou em vigor imediatamente após a sua publicação na sexta-feira, 28, e foi apresentado no Senado italiano, que irá votar pela aprovação ou rejeição da conversão do texto em lei de forma definitiva. A previsão é de que o tema entre na pauta do Senado entre os dias 6 a 8 de maio.

Caso não seja ratificado pelos parlamentares em até 60 dias, a norma deixa de valer (em processo similar às medidas provisórias no Brasil). Antes, o acesso à cidadania (“direito de sangue”) valia para qualquer descendente de italiano. Agora, está restrito a filhos e netos de italianos que nasceram no país europeu. Quem já havia feito a solicitação antes da mudança das regras (28 de março) não é afetado.

Roma é um dos principais destinos da Itália Foto: Adobe Stock

Em 2024, mais de 20 mil brasileiros obtiveram o passaporte italiano. No Brasil, há mais de 32 milhões de ítalo-descendentes, segundo estimativas da embaixada italiana.

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Em comunicado na semana passada, o governo italiano afirma buscar “incentivo à imigração de retorno dos descendentes de emigrantes italianos” e a necessidade de que a “aquisição e a manutenção da cidadania italiana sejam ancoradas em vínculos efetivos” com o país.

Um dos dois projetos de lei previstos pelo governo, ainda sem data para divulgação, deve abrir a possibilidade para filhos e netos de italianos não nascidos na Itália de reconhecerem a cidadania - opção que foi retirada pelo decreto. Para isso, o requisito prevê a necessidade de “residência qualificada” na Itália. Esses filhos e netos poderiam obter a nacionalidade após morar durante pelo menos três anos no país europeu.

  • Por exemplo: no caso de um brasileiro que obteve a cidadania porque o avô nasceu na Itália, o filho dele (bisneto do cidadão nascido em território italiano) não teria direito à nacionalidade pelo “direito de sangue”, conforme o decreto recém-publicado. Isso porque o bisneto já é considerado a terceira geração (em relação ao descendente nascido na Itália), e o “direito de sangue” se restringe a só duas gerações.
  • Mas o desenho da lei planejado pelo governo italiano pode criar uma rota alternativa: nesses casos, o filho do ítalo-brasileiro poderia reconhecer a cidadania morando na Itália por três anos. Esse período é inferior aos cinco exigidos para cidadãos europeus que não têm “direito de sangue” mas vivem legalmente na Itália e podem pedir a cidadania. No caso de cidadãos de fora da União Europeia, esse prazo é de dez anos.

Outro critério avaliado, segundo o comunicado do governo, é a necessidade de que a certidão de nascimento dos descendentes de italianos nascidos no exterior seja registrada antes de completarem 25 anos. Depois dessa idade, provavelmente seria necessário morar um período na Itália para o reconhecimento da nacionalidade, caso o projeto do governo seja implementado, mas ainda não foram dados os detalhes.

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Governo italiano quer passar mais restrições referentes ao reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue Foto: Mario/Adobe Stock
  • Também é prevista a possibilidade de perda da cidadania por “desuso”. A sanção se aplicaria ao cidadão italiano nascido no exterior, não residente na Itália e detentor de outra cidadania que não mantiver vínculos efetivos com a Itália por um período de pelo menos 25 anos.

A forma que esse cidadão terá de comprovar seus “vínculos” com o país não é detalhada no texto, diz a especialista em Direito Internacional Marina Ferreira, advogada da assessoria io.gringo. Ela acredita, porém, que o “uso” da cidadania deva ser especificado como: votar, atualizar os atos de registro civil, e ter passaporte sempre atualizado.

  • Outra possibilidade presente no texto diz respeito à recuperação da cidadania. Aqueles que perderem a nacionalidade italiana poderão recuperá-la se residirem na Itália por dois anos.

Liberando os consulados

O outro projeto de lei, conforme minuta que circula entre parlamentares italianos, pretende retirar dos consulados a competência para gerir pedidos de reconhecimento da cidadania de adultos, atribuindo a função a um escritório do Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional, com sede em Roma.

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O objetivo, segundo o governo, é “tornar os procedimentos mais eficientes”, permitindo aos consulados se concentrarem em fornecer serviços para aqueles que já são cidadãos.

Essa centralização do processamento de pedidos de cidadania em Roma “é a receita para o caos”, na visão do ítalo-brasileiro Daniel Taddone, membro do Conselho Geral dos Italianos no Exterior (órgão consultivo do governo do país europeu que representa os italianos que vivem fora do país). Ele já trabalhou em consulados italianos no Brasil.

Para ele, a ideia não funcionaria por causa do número de funcionários menor do que o necessário, os quais “não teriam intimidade com as especificidades dos documentos de cada país”. Também é problemático, acrescenta, o risco de perda de documentos em trânsito internacional.

O conselheiro diz ainda que impor um teto para o número de reconhecimentos feitos por ano é inconstitucional, pois prevê a limitar a prestação de um serviço público essencial. “É como se o SUS (Sistema Único de Saúde) informasse que em 2026 só vai fazer determinado número de cirurgias de catarata ou se um cartório dissesse que em 2027 só vai registrar determinado número de nascimentos”, compara.

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