O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse nesta quarta-feira, 19, que o Judiciário é obrigado a soltar detentos que tiveram suas prisões conduzidas de forma errada pelas polícias. Segundo ele, que integrou o Supremo Tribunal Federal (STF), “a polícia tem de prender melhor”. O promotor Alexandre Daruge, de São Paulo, rebate a declaração do ministro, diz que a polícia prende pouco e vê concessões de liberdade “temerárias” por parte dos juízes.
Horas antes, no mesmo dia, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), havia criticado nas redes sociais a reincidência criminal e defendido penas mais duras. “As nossas polícias prendem. E vão prender quantas vezes forem necessárias”, escreveu. Para ele, “é preciso combater a reincidência, tornar as penas mais duras, tirar o bandido de uma vez das ruas”.

A ideia de que “a polícia prende e a Justiça solta” divide especialistas e autoridades ligadas à segurança pública e ao cumprimento da lei. Uma parte vê deficiências de investigação policial e apresentação de provas frágeis, o que leva à soltura do suspeitos, além do problema da superpopulação carcerária. Outra parcela critica a postura dos magistrados, ao liberar ou flexibilizar o regime penal dos detentos, sob o argumento de que isso eleva o risco de novos crimes.
Para Alexandre Daruge, promotor de Justiça do Departamento de Execução Criminal (Decrim) do Ministério Público paulista, não há como dizer que a polícia prende mal porque o número de crimes que ocorrem todos os dias é muito superior ao número de prisões que a polícia consegue efetuar. E a situação de flagrante impõe ao policial um dever de agir.
Ele cita como exemplo que, em 2024, só na cidade de São Paulo, foram registrados cerca de 500 roubos ou furtos de aparelhos celulares por dia. “Evidentemente, uma parte muito pequena desses delitos gerou prisões em flagrante. De modo que, nessa ótica, se a polícia prende mal, é porque prende pouco”, afirma.
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Ainda segundo ele, é preciso considerar que grande parte do trabalho policial envolve prisões em flagrante, em que o agente não tem a opção de prender ou não. “Ele tem dever de agir, e cumprirá seu papel efetuando a prisão. Portanto, nas situações de flagrante, não se trata de prender bem ou mal. Trata-se de cumprir uma obrigação legal diante de uma situação fática que, no mais das vezes, é intensa, rápida e exige muito ímpeto e preparação dos policiais.”
Ele lembra que essa demanda de flagrantes é encaminhada para as audiências de custódia, e o Judiciário de fato funciona como uma espécie de filtro nesse ponto. “É um filtro importante, porque da mesma forma que o trabalho policial envolve muita ação, o trabalho judicial e do Ministério Público envolve muita reflexão sobre os elementos do processo: provas, teses das defesas, nulidades, questões legais, jurisprudências, etc”, diz.
“Ocorre que esse filtro tem, cada vez mais, trabalhado com algumas premissas pré-definidas pelas instâncias superiores ou pela legislação, levando a algumas concessões de liberdade por vezes temerárias”, acrescenta Daruge.
Como exemplo, ele lembra que a Súmula Vinculante 59 do STF impõe a fixação de regime inicial aberto e substituição de pena no tráfico de drogas privilegiado. Com base nessa premissa vinculante, diz ele, muitos juízes costumam acionar essa súmula já na análise do flagrante, fazendo a ilação de que, como provavelmente a condenação futura será por tráfico privilegiado, a pessoa presa deve ser posta em liberdade.

“Ocorre que, embora haja a necessidade de essa pessoa ser primária para que esse raciocínio se aplique, algumas vezes trata-se de prisão envolvendo grande quantidade de drogas, havendo sérios elementos de que se trate de pessoa muito envolvida com o narcotráfico, apesar da primariedade”, ressalva o promotor.
Ainda segundo ele, a criação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) para que o Ministério Público deixe de denunciar certos crimes que se insiram no contexto dessa medida também impactou as prisões em flagrante por esses delitos, pois muitos juízes aderem ao raciocínio de que, como há chance de ANPP, não faz sentido converter a prisão em flagrante em preventiva.
Outra regra que leva à concessões de liberdade por vezes temerárias, na visão do promotor, é o art. 318, incisos IV e V do Código de Processo Penal. Esses incisos permitem que a prisão preventiva seja substituída por domiciliar para mulheres gestantes ou com filho até 12 anos incompletos. “Por vezes, uma mulher é presa por envolvimento com o narcotráfico, ou até mesmo crimes violentos como roubo ou extorsão, e soltas logo após com base nessas regras, respondendo ao processo em liberdade.”