Nesta semana, o apresentador Tadeu Schmidt falou sobre a relação com sua filha Valentina Schmidt, de 20 anos, em entrevista ao programa Papo de Segunda, do GNT, após ela ter se assumido como uma pessoa queer. “Minha filha continuou sendo a mesma”, disse Schmidt. Em julho deste ano, a jovem fez um post em seu Instagram dizendo que estava feliz em ter liberdade para falar abertamente sobre a sua sexualidade. O assunto gerou discussão nas redes sociais sobre o termo queer, comumente utilizado dentro de pautas LGBT+. Mas, afinal, o que significa?
Segundo o sociólogo e professor da Unifesp Richard Miskolci, que estuda há anos as teorias queers, o termo não diz respeito a uma identidade de gênero ou orientação sexual. Na verdade, queer é o oposto disso: um conjunto de teorias que se contrapõem à ideia de que é preciso definir um gênero e uma orientação sexual.
Leia também
“O movimento social hegemônico e a maioria dos estudos feitos até hoje sobre sexualidades se baseiam em identidades enquanto o queer é um contraponto crítico a elas”, explica o especialista. “O que chamamos de queer é uma vertente de estudos e uma perspectiva política crítica em relação às identidades como via para construir conhecimento ou demandar direitos (para pessoas que não se enquadram em padrões socialmente impostos).”
A teoria queer defende que definir as pessoas em “caixinhas”, como “homens”, “mulheres”, “gays” e “lésbicas” limita e causa sofrimento a pessoas que não se identificam com esses papéis de gênero impostos socialmente, além de excluí-las de direitos sociais.
Dessa forma, segundo o sociólogo, não é correto utilizar o termo queer como uma identidade de gênero ou orientação sexual. O que se entende quando Valentina Schmidt se define como “queer”, no entanto, é que ela não aceita e não segue os papeis impostos socialmente a ela por ter nascido com vagina e, logo, ter sido identificada como mulher.
A teoria queer
Os estudos sobre identidade de gênero que levaram ao nome queer começaram a surgir em diferentes partes do mundo no final dos anos 1980, principalmente durante o auge da epidemia de Aids e a ascensão do neoliberalismo.
“Acadêmicos e parte minoritária do movimento social feminista e homossexual começaram a refletir sobre o papel do desejo nas relações sociais e formas alternativas de compreender as desigualdades e injustiças na esfera das sexualidades e dos gêneros”, explica Richard Miskolci.
De acordo com o especialista, nunca houve uma linearidade férrea entre sexo, gênero e desejo. As pesquisas sociológicas mostram que, não só hoje, como em uma perspectiva histórica, as pessoas encontram formas diversas de se identificarem em relação ao gênero e de se relacionarem afetiva e sexualmente.
“A expectativa de que uma pessoa que foi definida ao nascer como homem seja necessariamente um adulto masculino e se interesse sexualmente por mulheres é a reprodução de um estereótipo, uma atitude irrefletida que, quando confrontada pela realidade cotidiana, se transforma”, diz.
Distorções
Apesar do aumento de discussões sobre o assunto nos últimos anos, em especial nas redes sociais, ainda é comum que as pessoas confundam a ideia por trás da teoria queer e se refiram ao termo como uma identidade de gênero.
“O Q é equivocadamente alocado na sigla do movimento LGBT+ ou termos paralelos usados pelo jornalismo e pela publicidade para caracterizar um segmento social ou de mercado. No entanto, o lugar queer na sigla LGBTI+ é fora dela, no papel de crítica e contraponto às armadilhas identitárias”, diz Miskolci.
Além disso, o professor ressalta que orientação sexual e identidade de gênero são coisas diferentes. Por isso, podem ou não se relacionar. Entenda a diferença entre os dois:
-A orientação sexual se refere ao desejo e como alguém se relaciona sexual e amorosamente: se com pessoas do sexo oposto, do mesmo sexo ou ambos;
-A identificação de gênero se refere a como a pessoa se compreende: como masculina ou feminina.
“Uma pessoa pode se interessar por outra do mesmo sexo ou do sexo oposto sem que seu gênero seja definidor dessa relação e outra pessoa pode se sentir atraída por alguém devido ao seu gênero, qualquer que seja seu sexo”, diz o sociólogo. “Sexo, gênero, orientação sexual, práticas e formas de identificação se relacionam sem que sejam a mesma coisa tampouco se associem de forma linear.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.