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Quem é a ganhadora de prêmio global para negros influentes que atuou em caso histórico de racismo

Advogada Juliana Souza, que conseguiu a condenação de agressora da filha de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, recebeu premiação apoiada pela ONU

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Foto do author Gonçalo Junior

Até seus 20 e poucos anos, Juliana Souza não gostava de se expor. Não era timidez. Ela tinha medo que qualquer aparição pública fosse uma brecha para que o pai reencontrasse a mãe. No início dos anos 1990, dona Tercília fugiu de Feira de Santana (BA) com Juliana, ainda bebê, no colo, interrompendo um ciclo de violência doméstica. O medo das duas só se dissipou com a morte do pai, anos atrás.

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Hoje, Juliana não se esconde mais. A advogada criminalista, ativista e intelectual foi bastante celebrada na premiação das 100 personalidades afrodescendentes mais influentes do mundo na semana passada, em Nova York, nos Estados Unidos.

O nome certinho do prêmio é Most Influential People of African Descent (Mipad) e já foi oferecido à cantora Beyoncé e ao piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton como reconhecimento às contribuições significativas dos afrodescendentes para suas comunidades e para o mundo.

A advogada Juliana Souza foi reconhecida como uma das personalidades afrodescendentes mais influentes do mundo. Foto: Felipe Rau/Estadão

A iniciativa tem relação com a Década Internacional de Afrodescendentes, campanha da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) para promoção e proteção dos direitos humanos deste grupo.

“É uma conquista coletiva, de uma dinastia de trabalhadoras domésticas, da minha mãe, de mulheres invisibilizadas no histórico pagamento da contribuição negra na história do País e das oportunidades e das alianças que encontrei no caminho. É um prêmio que faz a gente pensar sobre oportunidade e não sobre meritocracia”, diz a autora do livro Torrente Ancestral, Vidas Negras Importam?

A dinastia de domésticas a que ela se refere são sua mãe e suas tias, Lurdes, Joana, Neusa, que também ajudaram em sua criação.

Formada pela PUC-SP, mestre em Humanidades e Direitos pela USP com pós-graduação em Direitos Fundamentais e Processo Constitucional pela Universidade de Coimbra, a advogada atua na área de direitos humanos, direito à cidade e equidade de gênero e raça, trabalhando pela implementação de cotas raciais no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

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Hoje, ela ainda se lembra que todos seus colegas da sala de aula em Itapevi, na Grande São Paulo, riram quando ela disse que queria ser juíza. Tinha 12 anos. “Durante muito tempo, aquele riso coletivo me incomodou, mas hoje eu entendo... Era praticamente impossível mesmo. Mas minha mãe diz que o impossível é provisório.”

Atuação em caso histórico de racismo e live com Anitta

Juliana representou os atores Bruno Gagliasso e Giovana Ewbank em processo contra a socialite e influenciadora Dayane Alcântara Couto de Andrade por ofensas racistas contra a filha mais velha do casal, conhecida como Títi. Em agosto, a Justiça Federal do Rio de Janeiro condenou a socialite a oito anos e nove meses de prisão, em regime fechado. Foi a maior condenação por injúria racial já aplicada no Brasil.

Durante o processo, ela se viu na própria Títi. “Quando eu estava estudando em Osasco (Grande São Paulo), no início da adolescência, um menino disse que minha mãe usava meu cabelo para limpar panela. Eu era aquela criança que sofria racismo.”

Após a condenação, a Justiça informou que o processo corre em segredo de Justiça, por envolver uma menor de idade. Já a defesa de Dayane Alcântara afirmou que iria recorrer da decisão.

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“Sabemos que, infelizmente, esta vitória acontece por termos visibilidade sermos brancos e, portanto, mais ouvidos que a população negra que, desde que foi sequestrada para este país, não para de gritar e sangrar. Nunca é tarde, mas ainda é tarde”, publicou Gagliasso após a decisão.

Durante a pandemia de covid-19, a advogada se esforçou pela massificação da comunicação antirracista, com cursos online sobre racismo estrutural e lives com a participação da cantora Anitta que atraíram 20 mil pessoas ao vivo e mais dois milhões de visualizações nas 24 horas seguintes.

“Para além do Direito, eu vivi escondida por muito tempo e passei a entender o poder da comunicação nos últimos anos. Comecei a usar as redes sociais para abordar sobre coisas que me interessavam. Fui aprendendo a usar minha voz e percebi que as pessoas se reconhecem. Existem pessoas que precisam de oportunidades. Como fizeram por mim”, diz Juliana.

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Criar chances para mulheres e jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica é um dos propósitos do Instituto Desvelando Oris, criado em parceria com seu marido, o educador social Jalisson Mendes. Para promover a equidade racial e de gênero, além de facilitar o acesso à justiça, o instituto oferece assistência jurídica gratuita às vítimas de crimes raciais. Além disso articula saberes acadêmicos e outras formas de conhecimento a partir de encontros entre a comunidade e nomes como os professores Thiago Amparo e Lilia Schwarcz.

A advogada Juliana Souza na sede do Instituto Desvelando Oris, no Jardins, em São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão

Juliana se define como “múltipla” porque está sempre fazendo uma coisa diferente – e refletindo sobre o que acontece à sua volta. Foi assim na viagem recente que fez à Paris para a Olimpíada ao lado da mãe, com 66 anos, e as afilhadas, Nicole, de 6, e Gabriela, 11 anos.

Nas redes sociais, dona Tercília aparece bastante, sempre iluminando a paisagem parisiense em sua primeira viagem internacional. “Fiquei pensando sobre as décadas que separavam as experiências daquelas mulheres. É muito bonito ver a mudança acontecendo dentro de casa, mas a sociedade brasileira precisa avançar nisso com urgência”.

* Este conteúdo foi produzido em parceria com o Instituto Desvelando Oris, que promove a equidade racial e de gênero, facilitação de acesso à justiça, com foco em jovens e mulheres em situação de vulnerabilidade, especialmente para pessoas negras

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