Na noite em que o marido foi morto, Jasiane Silva Teixeira não estava aflita apenas com as burocracias do velório de Bruno de Jesus Camilo. Naquele 3 de junho de 2014, segundo o Ministério Público da Bahia, ela tinha outra preocupação: o destino de centenas de quilos de drogas e armas da quadrilha do “Pezão”, o bando nomeado com o apelido do morto, que crescia na região sul da Bahia - a defesa nega as acusações contra ela.
A rapidez para esconder os vestígios da quadrilha, conforme a denúncia do MP a qual o Estadão teve acesso, sugeria a posição que Jasiane, hoje aos 36 anos, já ocupava no crime organizado. Sob a alcunha de “Dona Maria”, apelido dado por Bruno, ela alçou a posição de uma das líderes do tráfico de drogas na Bahia, como chefe do novo “Bonde do Neguinho”, em aliança com o Primeiro Comando da Capital (PCC), conforme autoridades policiais. Na sexta-feira, 24, ela foi presa na zona leste paulistana.
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Os policiais chegaram no fim da tarde à casa de Jasiane, em uma rua residencial do bairro Jardim Nossa Senhora do Carmo, a partir de informações de inteligência da Polícia Civil baiana. Na residência, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, a encontraram com R$ 66 mil em espécie, celulares e anotações relacionadas ao tráfico.
O advogado de Jasiane, Walmiral Marinho, nega as acusações. Ele também afirma que a prisão dela foi ilegal e que as buscas na residência foram feitas sem autorização judicial.
O Tribunal de Justiça da Bahia decretou a prisão temporária de Jasiane na audiência de custódia na segunda-feira, 27. De acordo com o MP da Bahia, Jasiane é ré em quatro ações penais por tráfico de drogas e uma por homicídio e “caso permaneça em liberdade, poderá destruir provas e dificultar a atividade dos órgãos de apuração criminal”.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública baiana, ela foi presa em cumprimento a uma condenação de 14 anos por homicídio. A pasta, entretanto, não detalhou a data da decisão tampouco compartilhou informações sobre o crime.
Jasiane tinha sido condenada por participação na morte de um agente penitenciário em Jequié, em 2010. Luciano Caribé trabalhava no presídio onde Bruno, o então marido de Jasiane, ficou detido antes de também ser morto, em 2014, em confronto com policiais em Porto Seguro.
Antes disso, a suposta participação de Jasiane em crimes como tráfico e assassinatos já estava na mira de policiais e da Justiça. O nome dela aparece pela primeira vez em um processo criminal público em 2008.
Aos 19 anos, ela já namorava Bruno Camilo Paixão, com quem foi presa sob suspeita de tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo. Um ano depois, a Justiça concedeu a liberdade provisória de ambos.
Gerente do tráfico: a Dama de Copas
Jasiane nasceu na periferia de Vitória da Conquista, terceira maior cidade do Estado. A mãe dela era casada com Júlio Batista Neves, desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia. Após a morte do jurista, a viúva passou a receber pensão, informa a defesa de Jasiane.
O advogado Walmiral Marinho alega que o valor do benefício, em média R$ 13 mil mensais, é a principal fonte de renda da família. Questionado sobre os R$ 66 mil encontrados com a cliente, a defesa atribui a posse do valor a um primo do atual marido de Jasiane, que se separou da esposa e pediu à família que guardasse a quantia para fugir da partilha total dos bens.
O atual marido, de acordo com Marinho, é um comerciante com quem ela teve um casal de filhos. Antes, ela já era mãe de uma menina, fruto do relacionamento com Bruno, o Pezão.
Jasiane engravidou da primogênita – hoje com 15 anos – logo após sair da cadeia pela primeira vez. Segundo as investigações, após ser liberada, ela seguiu na ativa como traficante. Em 2014, denúncia apresentada pelo MP da Bahia mostra indícios do poder adquirido por ela, antes e depois da morte de Pezão.
“Quando Jasiane precisava de dinheiro, entrava em contato com seus distribuidores para que depositassem a quantia em contas bancárias diversas”, diz a denúncia. Era a pessoa “a qual todos os gerentes do bando prestavam contas”. E quem dava as ordens, por exemplo, sobre execuções, ainda segundo a denúncia apresentada pelo órgão.
Quando não estava em Vitória da Conquista, Jasiane comandava a organização fora da cidade, conforme o MP. Em 2017, ela foi adicionada à lista dos bandidos mais procurados pela polícia baiana: o Baralho do Crime. “Dona Maria” era a “Dama de Copas”, acusada de narcotráfico e assassinato. Na foto, ela aparece séria, com cabelos pretos longos, diferentemente dos fios loiros que adotaria mais tarde.
Em fotos divulgadas à época pela polícia, muros de bairros de Vitória da Conquista aparecem com a frase “Salve, Copas” em alusão à Dama de Copa.
Um ano depois, em outubro de 2018, também em Vitória da Conquista, três homens foram presos quando estavam a bordo de uma aeronave de pequeno porte que fazia rotas entre Brasil, Bolívia, Venezuela, Colômbia e Peru para transportar armas e drogas da facção Bonde do Neguinho. A Polícia Civil da Bahia disse, à época, que a aeronave era de “Dona Maria”.
O advogado de Jasiane alega que a cliente é vítima de perseguição, após um “relacionamento abusivo com seu esposo falecido, [...] que realmente tinha envolvimento com o crime” e que ela, por isso, “tem feito tratamento psicológico e medicamentoso”. “Desafio a polícia ou o MP a comprovar que foi ela. Quem falar isso está cometendo denunciação caluniosa, porque ela não responde a nenhum inquérito ou fato penal sobre esse fato citado”.
Idas e vindas na cadeia
Em 2019, quando havia sido presa outra vez em São Paulo, Jasiane disse: “Sou uma mulher simples como outra qualquer”. Me deram uma fama que desconheço”.
Em seguida, falou sobre o desejo de escrever um livro sobre sua história. “Deus tem um plano em minha vida. Inclusive, vou escrever um livro na editora que quiser. Tenho certeza de que meu final vai ser de transformação.”
A prisão, porém, durou menos de um ano - e o livro não foi publicado. Na ocasião, a Justiça concedeu habeas corpus a Jasiane depois de considerar a prisão ilegal e revogou sua prisão preventiva.