Quinze anos após a aprovação da Lei Seca, a legislação tem efeitos concretos na redução da letalidade dos acidentes de trânsito no Brasil. Pesquisa do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) identificou queda de 32% nas mortes decorrentes de acidentes de trânsito por uso de álcool entre 2010 e 2021.
Segundo dados do “Panorama dos acidentes de trânsito por uso de álcool no Brasil”, a taxa de óbitos nesse período passou de sete a cada 100 mil habitantes para cinco. Embora a Lei Seca tenha sido aprovada em 2008, o Cisa analisa dados a partir de 2010, quando a Organização Mundial de Saúde lançou a Estratégia Global para Reduzir o Uso Nocivo de Álcool.
A Lei Seca instituiu inicialmente um limite de 6 decigramas de álcool por litro de sangue a partir do qual eram aplicadas as sanções aos motoristas. Depois, uma alteração feita em 2012 trouxe uma política de “tolerância zero”. A estimativa é de que, com a lei atual, mesmo um copo de cerveja ou uma taça de vinho possam enquadrar o condutor na Lei Seca.
As punições incluem multa de R$ 2.934,70, que pode ser multiplicada por dois caso o motorista seja reincidente. O motorista também poderá ter o direito de dirigir suspenso por 12 meses. Caso não haja outro condutor para dirigir o veículo, o carro poderá ser retido.
“Embora esta seja uma questão complexa sem respostas ainda consolidadas, a redução de mortes deve ser comemorada e pode ser um indicativo de sucesso da Lei Seca e de maior compreensão por parte da população do perigo de beber e dirigir, além de outros motivos, como limites de velocidade, uso de capacete, cinto de segurança e da cadeirinha para as crianças. Dessa forma, acidentes que antes poderiam ser fatais tornam-se menos graves, gerando hospitalizações”, explica Mariana Thibes, socióloga e coordenadora do Cisa.
Enquanto o número de mortes caiu ao longo dos últimos anos, o índice de internações causadas por acidentes de trânsito por uso de álcool aumentou, passando de 27 a cada 100 mil habitantes em 2010 para 36 a cada 100 mil em 2021.
Apesar de a média de óbitos ter diminuído, o estudo mostra que ainda há muita disparidade entre os Estados da federação. Em 2021, o Tocantins apresentou uma taxa de 11,8 mortes a cada 100 mil habitantes em decorrência de acidentes de trânsito causados pelo uso de álcool. O índice é o maior entre os Estados do país. Na outra ponta, o Rio de Janeiro registrou uma taxa de 1,6 mortes a cada 100 mil, sendo o Estado com menor índice de óbitos nesse contexto.
A pesquisa identificou, porém, que alguns problemas ainda persistem. Mesmo com a Lei Seca, 5,4% dos brasileiros relataram dirigir após beber. Os dados mostram ainda o perfil dos acidentados em 2021: os homens correspondem a 89% das mortes por acidentes de trânsito por uso de álcool e 86% das internações. A faixa etária mais atingida é de 18 a 34 anos. De acordo com a pesquisa, em 2021, foram 10.887 mortes no total por esse motivo. Os valores correspondem a 1,2 óbitos por hora e 8,7 internações.
Campanhas de conscientização
A pesquisadora do Cisa diz que apenas a mudança na legislação não é suficiente para modificar totalmente o comportamento das pessoas. Ela defende que haja mais campanhas para promover conscientização e lembra que qualquer dose de álcool é perigosa quando se trata de dirigir.
“Mudanças comportamentais levam tempo para se implementar na cultura de uma população, e dependem também de outros fatores, como confiança no setor público. Por isso, a necessidade que sejam permanentes as ações de fiscalização, punição e educação para segurança viária. Além disso, ainda vemos pessoas se considerando imunes aos efeitos do álcool, pensando que a bebida não interfere em sua capacidade de direção. Isso é um equívoco”, argumenta Thibes.
Mesmo com resultados positivos da aplicação da Lei Seca, a socióloga afirma que ainda há espaço para aprimorá-la. Segundo Thibes, há pesquisas que indicam que o Brasil ainda utiliza o bafômetro com menos frequência em comparação com outros países. Comparação dos dados de trânsito e álcool da cidade de São Paulo com a Noruega, entre 2005 e 2015, mostrou que a fiscalização com o uso do bafômetro é 8,7 vezes mais comum no país nórdico do que na capital paulista.
“As pessoas precisam entender realmente que nenhuma gota de álcool é permitida, pois mesmo a pouca ingestão de álcool já compromete a parte cognitiva e altera as funções motoras, aumentando as chances de envolvimento em acidentes de trânsito e sua gravidade”, diz Mariana Thibes.
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