RIO - O atestado de óbito da rainha Elizabeth II, do Reino Unido, trouxe como causa da morte a idade avançada da monarca. Aos 96 anos, ela não apresentava nenhum problema de saúde. Quando alguém muito idoso morre sem nenhuma doença aparente, os médicos precisam necessariamente apontar uma causa? Ou é aceitável dizer que a pessoa morreu de velhice? Com a população mundial cada vez mais longeva e os avanços da medicina, o debate cresce em todo o mundo.
A velhice não é listada no Código Internacional de Doenças (CID). Trata-se da lista da Organização Mundial de Saúde (OMS) usada no mundo todo como ferramenta de diagnóstico que reúne mais de 17 mil condições. No início do ano, houve uma discussão sobre a inclusão do termo.
Mas prevaleceu o entendimento de que velhice não é doença e, por isso, não poderia ser listada no CID. Entre parte dos médicos, também há uma interpretação de que atribuir a morte à velhice é como se o profissional de saúde não tivesse investigado detalhadamente o que levou o paciente ao óbito.
A praxe é que a causa da morte seja alguma condição da lista. Independentemente disso, alguns países aceitam que se use o termo no atestado de óbito. É o que ocorre no Reino Unido e no Japão, por exemplo.
No Reino Unido, é possível assinalar no atestado de óbito que alguém morreu de “old age”. Foi o que aconteceu com a rainha e seu marido, Philip, morto aos 99 anos em abril do ano passado. Mas essa anotação é aceitável apenas quando o documento é assinado por um médico que acompanha o paciente há muitos anos e não há registro de nenhuma doença.
Entre os japoneses, a morte por idade avançada também é aceita no atestado de óbito. Já é a terceira mais comum no país. Perde apenas para o câncer e os problemas cardíacos. Mas é preciso que nenhuma outra causa identificável exista para que o termo seja usado.
Para brasileiros, velhice não é doença
No Brasil, prevalece o entendimento de que velhice não é doença. Por isso, não deve figurar como causa de morte. Especialistas apontam alguns problemas em se usar “velhice” como causa do óbito. Além da interpretação que velhice seria uma enfermidade, o uso do termo pode gerar preconceito contra aqueles que têm mais idade. Pode ainda atrapalhar estatísticas de doenças infectocontagiosas (que comumente causam a morte de idosos).
“Não é que haja proibição, mas uma recomendação para que isso não ocorra, que não se coloque causas vagas no atestado de óbito”, explica a geriatra Elisa Franco de Assis Costa, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e integrante da câmara técnica de geriatria do Conselho Federal de Medicina (CFM).
“Precisamos de informações mais precisas para planejar nosso sistema de saúde, por exemplo, para gerar dados estatísticos importantes. Além disso, há questão do preconceito contra os mais velhos, o etarismo. Temos de tentar ser o mais precisos que for possível.”
Mas independentemente do entendimento oficial, do ponto de vista médico, é possível morrer de velho? A questão também gera controvérsia. Alguns médicos acham que a idade avançada por si só não causa a morte, mas sim alguma outra condição subjacente ao envelhecimento.
Outros especialistas, no entanto, pensam de forma diferente. Eles acreditam que o organismo se desgasta conforme o tempo passa e, num determinado momento, começa a falhar. Para eles, essa morte poderia ser considerada de velhice.
“Não usaria velhice como causa de morte, como se velhice fosse uma doença”, afirma a geriatra Roberta França, professora da Universidade Cândido Mendes. “Todos vamos nascer, crescer, nos desenvolver e morrer. É a ordem natural da vida. Ninguém vai ficar para semente. Há um declínio funcional trazido pela idade, os órgãos vão perdendo sua capacidade, mas não significa que seja doença, um processo patológico.”
Aceitar a velhice como causa de morte é questão cultural
Coordenadora da Câmara Técnica de Geriatria do CFM, a médica Helena Maria Carneiro Leão concorda com a colega. “Toda a geriatria entende que o envelhecimento é uma fase da vida, não uma doença. Então, não se coloca velhice como causa principal da morte. Em geral, colocamos a intercorrência que gerou a parada cardiorrespiratória ou a morte encefálica”.
Os japoneses, por sua vez, têminterpretação diferente. “Não é uma doença, mas sim algo natural”, afirmou o médico japonês Kazuhiro Nagao, especialista em cuidados paliativos, em entrevista ao Wall Street Journal na semana passada. “Não é um fim trágico. É o tipo de morte considerada ideal no Japão. É parte da nossa cultura.”
Para a especialista brasileira Veridiana do Nascimento Vieira Bronzon, neurologista do Hospital Federal Cardoso Fontes e da Rede Sênior, é também uma questão cultural que faz com que os brasileiros não aceitem “velhice” como causa da morte no atestado de óbito.
“É uma questão cultural do nosso País, marcado pelas academias de ginástica, pela busca do corpo perfeito, pela harmonização facial, o culto à beleza física, ao envelhecimento saudável”, enumera. “Envelhecimento e senilidade são palavras difíceis para o brasileiros, poucos aceitam bem.”
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