BRASÍLIA - Com a promessa de vender facilidades a pelo menos 38 mil haitianos que já cruzaram, sem visto, a fronteira do Brasil pelo Acre, a rede de coiotes já faturou US$ 60 milhões - o equivalente a mais de R$ 185 milhões - nos últimos quatro anos. Os dados são da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e foram apresentados na reunião de quinta-feira, no Planalto, que reuniu diversos ministros e decidiu aumentar os vistos para os imigrantes daquele país.
Na primeira semana de junho, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, inicia um périplo por Equador, Peru e Bolívia. O objetivo da viagem é definir uma estratégia para barrar a ação dos coiotes na região.
O governo brasileiro quer envolver os países vizinhos no problema, já que eles funcionam como rota para o transporte dos haitianos, mas não agem para impedir o avanço do tráfico de pessoas. Paralelamente, o governo brasileiro tenta montar uma rede para desenvolver uma ação conjunta com Estados e municípios, a fim de amparar os estrangeiros.
A chegada desordenada de haitianos criou tensão entre os governos federal e do Acre, assim como do Acre com São Paulo, para onde os imigrantes estavam sendo transferidos. Desde 2010, o governo acriano cobrava ações do Planalto, que só agora, depois da reunião de quinta, começaram a ser desenhadas.
O Acre informa esperar que as medidas discutidas sejam colocadas em prática. Caso os planos não se concretizem até o final de junho, o governador do Estado, Tião Viana (PT), avisou que vai restringir o abrigo concedido a haitianos para mães e crianças, não atendendo mais os homens, que deixariam de ter direito de serem acolhidos. O governo do Acre voltou a fazer pressão em Brasília diante dos números considerados assustadores de entrada no País, pelo Estado, nos últimos dias. Em dois dias da semana passada, quase 300 haitianos chegaram ao Brasil, o que aumentou ainda mais a preocupação das autoridades brasileiras.
Reunião. Na reunião de quinta-feira, várias medidas foram traçadas para tentar reduzir a exploração dos imigrantes pelos coiotes que, embora a maioria seja de haitianos, também envolve pessoas de outros países, principalmente africanos.
Para tentar coibir a entrada ilegal de haitianos no Brasil, a embaixada brasileira em Porto Príncipe, capital do Haiti, vai desenvolver uma campanha explicativa, informando aos cidadãos daquele país que eles podem obter vistos, sem se submeter à ação dos coiotes. O governo brasileiro subirá de 600 para 2 mil o número de vistos mensais para haitianos interessados em viver no Brasil.
Em 2010, eram emitidos cem vistos por mês. Na campanha, o governo brasileiro vai dizer aos haitianos que eles podem vir por meios legais, sem ter de se arriscar ou pagar valores exorbitantes aos coiotes.
O Gabinete de Segurança Institucional, a quem a Abin é ligada, não respondeu ao Estado sobre o relatório divulgado na reunião de quinta.
Os coiotes. A maioria dos haitianos refugiados no Brasil relata demorar, no mínimo, 20 dias entre Porto Príncipe e São Paulo. A viagem é orquestrada por coiotes, que cobram de US$ 3 mil (cerca de R$ 9.285) a US$ 8 mil (mais de R$ 24 mil) por pessoa. O trajeto de muitos deles é o mesmo. Viajam de avião da capital haitiana até Quito (Equador) e, de lá, descem e sobem em pelo menos quatro diferentes ônibus, até chegar a Rio Branco, no Acre.
Segundo o padre Paolo Parise, diretor do abrigo Missão Paz, em São Paulo, o momento mais crítico da viagem acontece na fronteira do Equador com o Peru. Os haitianos, por ordem dos coiotes, desembolsam cerca de US$ 100 como suborno para policiais peruanos liberarem a passagem dos imigrantes.
Os haitianos contam que atravessam um rio a pé, por baixo de uma ponte, para entrar no Peru. “Policiais expulsos da corporação peruana formaram uma quadrilha que hoje gerencia o tráfico de drogas e de pessoas. Muitos haitianos não têm dinheiro para dar na hora e são mantidos em cárcere privado até que a família mande remessas”, explica o padre. Mulheres são abusadas. Uma haitiana chegou grávida ao abrigo no ano passado, vítima de estupro por homens da quadrilha, conta Parise.
Saído do país natal há 17 dias, onde deixou mulher e filho, o haitiano Ruben é uma das vítimas dos achaques na fronteira. Ele calcula ter desembolsado US$ 150 para conseguir passar do Equador para o Peru. “As pessoas perdem roupas, sapatos, o que têm. O trajeto é muito duro”, afirmou. Ele, que trabalha como encanador e eletricista, chegou ao Brasil há três dias. “Não quero que minha mulher e meu filho venham dessa forma. Estou traumatizado.” / COLABOROU JULIANA DOMINGOS, ESPECIAL PARA O ESTADO
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