Relator diz que Valério intermediou Dirceu e Rural; condena 9

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Por HUGO BACHEGA

O relator da ação penal do chamado mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, disse nesta segunda-feira que o publicitário Marcos Valério atuou como intermediário entre o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e o Banco Rural, que teria sido usado na lavagem de dinheiro destinado ao suposto esquema, e votou pela condenação de nove réus. Dirceu é apontado na denúncia do Ministério Público Federal (MPF) como "chefe da quadrilha" responsável pelo suposto esquema. Valério seria o principal operador. Este é o terceiro item a ser analisado pela Corte. Barbosa iniciou a análise da questão referente à lavagem de dinheiro, que tem dez acusados. São réus o chamado núcleo financeiro, que seria composto por ex-dirigentes do Banco Rural; e o núcleo operacional, com funcionários e ex-sócios das agências de Valério. Para o relator, o início das irregularidades se deu com "inúmeras fraudes contábeis" em registros das agências DNA e SMP&B para, depois, simular-se os empréstimos no Banco Rural. A instituição teria injetado 32 milhões de reais no suposto esquema, segundo o MPF. Barbosa citou encontros entre Dirceu e Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural, dos quais Valério teria atuado como "intermediador". Em depoimento, Kátia teria dito que o publicitário informou a "disponibilidade da agenda" do ex-ministro, que renunciou ao cargo na esteira do escândalo, em 2005. Dirceu também confirmou o encontro, que teria ocorrido em Belo Horizonte, de acordo com o relator. "Falei sobre o Brasil, sobre o governo, sobre as políticas do governo", disse o ex-ministro, segundo Barbosa. O Banco Rural teria participado do esquema com interesse na bilionária liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, segundo o MPF. A denúncia afirma que os encontros entre Dirceu e Kátia foram para tratar dos recursos que seriam repassados pelo Rural ao suposto esquema. O relator citou diversas perícias que consideraram que as fraudes no Banco Rural foram "orquestradas", em "total desacordo" com as normas vigentes, com o intuito de impedir o rastreamento da origem, natureza e destino dos recursos, como afirma o MPF. Barbosa apontou ainda para a existência de um esquema de triangulação de recursos, e que o banco permitiu que saques nominais à agência SMP&B fossem realizados por terceiros, que eram conhecidos do Rural. "Os milionários valores repassados através do Banco Rural eram, sabidamente, provenientes, diretamente ou indiretamente, de crime contra a administração pública e o sistema financeiro nacional", disse Barbosa. O relator condenou Valério e dois ex-sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, e Rogério Tolentino, que era advogado das empresas de Valério. Barbosa também votou pela condenação de Simone Vasconcellos e Geiza Dias, funcionárias das agências de Valério; e de Kátia, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, então dirigentes do Banco Rural. A única absolvição foi de Ayanna Tenório, absolvida pela maioria da Corte do crime de gestão fraudulenta. Barbosa, que havia votado pela condenação neste crime, disse não "prosperar a imputação" de crime de lavagem de dinheiro. MEQUETREFE? O ministro relator disse ter havido 46 operações de lavagem de dinheiro no banco e que os réus da "organização criminosa" tinham "plena consciência" dos crimes anteriores. "Como o processo de lavagem de dinheiro resultou em inúmeras e sucessivas operações de lavagem de capitais, parte desses crimes ocorreu paralelamente", disse Barbosa. O relator afirmou que "Valério foi mudando a versão dos fatos de acordo com o desenrolar dos acontecimentos" para explicar a destinação dos saques. Já a defesa do Banco Rural afirma que todos os saques foram registrados e informados ao Banco Central de acordo com a legislação da época. Barbosa rebateu ainda a tese da defesa de que Geiza e Simone desconheciam a ilicitude das operações ou que só teriam participado do suposto esquema a mando de seus chefes, sob receio de perder o emprego. O advogado de Geiza argumentou na fase inicial do julgamento que ela era uma funcionária "mequetrefe", "batedeira de cheque". Barbosa disse que as operações configuraram uma "série de ações ilícitas praticadas com o mesmo modus operandi com o claro objetivo de lavagem de dinheiro". "Não há como prosperar a tese de que, como serem apenas empregadas, somente teriam agido por ordem dos sócios... sem qualquer conhecimento da ilicitude de suas ações", declarou Barbosa. "Não se trata, então, de um empregado mequetrefe, como se sustentou contra outra ré", disse o relator. Barbosa pediu, ao fim do voto, que o plenário reexamine o andamento da ação penal, que entrou no seu segundo mês. Ele sugeriu sessões extras para o julgamento, que ocorre às segundas, quartas e quintas. "Do contrário, adentraremos o mês de outubro", disse. O presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, disse que a questão será analisada no "devido tempo". Ayres Britto já defendeu que os votos dos ministros sejam reduzidos. Barbosa, como relator, e Ricardo Lewandowski, como revisor, são os que têm os relatórios mais longos. "Já reduzi demais, é impossível na condição de relator (reduzir mais), tenho obrigação de trazer todos os fatos", disse Barbosa. DEZ MAIS UM A presidente Dilma Rousseff indicou nesta segunda-feira o ministro Teori Albino Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para ocupar a vaga na Corte resultante da aposentadoria do ministro Cezar Peluso. Zavascki, de 64 anos e desde 2003 no STJ, será sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Se aprovado, o nome vai ao plenário da Casa. A assessoria do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), que preside a CCJ, disse que ele tem a intenção de designar um relator para a análise da indicação "tão logo" a mensagem presidencial chegue à comissão, o que pode ocorrer ainda nesta semana. Ayres Britto não comentou se Zavascki poderá participar do julgamento do chamado mensalão, caso sua aprovação se dê antes do fim do processo. "O processo foi deflagrado, somente isso", disse Britto a jornalistas durante intervalo do julgamento. O julgamento do chamado mensalão prossegue com 10 ministros, o que abre a possibilidade de empate em determinadas situações. A indicação de Zavascki ocorre uma semana após a saída compulsória de Peluso, que completou 70 anos no dia 3. Esta é a terceira indicação feita por Dilma, que já apontou os ministros Luiz Fux e Rosa Weber, esta última num processo que se arrastou por meses. Dilma fará, no mínimo, mais uma indicação à Corte, desta vez à vaga resultante da saída de Britto, que se aposentará compulsoriamente em novembro. (Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello)

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