Em 2011, o aumento do IOF de 2,38% para 6,38% sobre gastos internacionais no cartão de crédito provocou uma debandada de viajantes para o cartão de débito pré-pago. Não durou muito: no fim de 2013, quando o IOF sobre o débito também subiu para 6,38%, o brasileiro fugiu do cartão pré-pago e voltou a viajar preferencialmente com dinheiro vivo (como se fazia na década de 1980). Entre 2014 e 2015, com a escalada do dólar, que passou de R$ 2,50 a mais de R$ 4, muita gente que tinha abandonado os cartões passou a evitar também o dólar.
Para fugir do dólar caro, cada vez mais brasileiros têm optado por viajar ao exterior levando reais, ou comprando no Brasil as moedas dos países que vão visitar, como os pesos mexicano, chileno e colombiano. Em boa parte dos casos a estratégia não é vantajosa: ela resulta de uma confusão entre valor nominal e valor real das moedas, que fica ainda mais embolada quando se acrescenta a variável custo de vida. Vou explicar o que aprendi na prática, viajando.
Dólar não é mais caro aqui que no exterior O dólar serve de parâmetro para o mercado de moedas. Digamos que o real desvalorize hoje, sozinho, 20% frente ao dólar. Como os mercados são interligados e o dólar é a referência, o real vai desvalorizar na mesma proporção frente, por exemplo, ao peso colombiano. Você vai precisar de 20% mais reais para comprar a mesma quantidade de dólares ou a mesma quantidade de pesos colombianos que compraria antes da desvalorização. Claro que os movimentos cambiais são mais complexos que isso. Mas o preço do dólar no Brasil reflete o valor internacional do real.
O que existe, isso sim, é variação de preço entre corretoras e bancos. Na quinta-feira passada era possível encontrar dólar turismo em espécie vendido de R$ 4,05 a R$ 4,22 – um diferença de 5% entre o menor e o maior preço. Veja bem: se o IOF de 6,38% levou você a abandonar os cartões, uma diferença de 5% deveria levar você a pesquisar a menor cotação, concorda? Sites como exchangemoney.com.br e cambiocerto.com fazem comparativo de preços entre corretoras.
Centavos de real: não caia nessa Assustado com o dólar de mais de R$ 4, eis que o viajante brasileiro descobre que existem moedas que custam centavos, até milésimos de real. São baratinhas, certo? Errado. São justamente essas moedas baratas que acabam custando mais caro no Brasil do que deveriam. Acompanhe: na última quinta-feira, encontrava-se peso chileno em São Paulo com cotações entre 0,0064 e 0,0068 – ou seja, R$ 1 comprava entre 158 e 147 pesos chilenos. Na calle Agustinas, em Santiago, R$ 1 comprava até 188 pesos! O peso argentino chegava a ser vendido em São Paulo por R$ 0,33 (3 pesos por real), enquanto na Argentina o Banco de la Nación pagava 3,60 pesos por real, e corretoras do centro de Buenos Aires pagavam até 4 pesos por real. Inadvertidamente, você pode comprar no Brasil uma moeda “baratinha” por 15% a 25% mais do que ela vale de fato.
Então o negócio é sair do Brasil com reais? São poucos os mercados em que o real tem procura suficiente para sustentar cotações favoráveis nas casas de câmbio. Vale a pena levar reais para trocar no Uruguai, na cidade de Buenos Aires e na cidade de Santiago. Fora desses lugares (inclusive em outros destinos da Argentina e do Chile), o real sofre um deságio considerável; é melhor levar dólar (comprado pela menor cotação pesquisada). Às vezes nem é preciso realizar o câmbio: muitos operadores de passeios cotam seus tours em dólar. Na minha última viagem ao Peru, dólares rendiam, nas casas de câmbio, 10% mais soles peruanos do que a mesma quantidade de reais usada para comprar esses dólares no Brasil. Em países fora do nosso continente, o real sofrerá deságio ainda maior – isto é, caso você encontre onde trocar. Já o dólar (assim como o euro e a libra) será forte aonde quer que você vá.
Dinheiro vivo: pegadinhas Não há nenhum inconveniente (afora a questão da segurança) em levar moeda forte para um país onde seja corrente (dólar nos Estados Unidos, euro na Zona do Euro, libra no Reino Unido). Mas em países onde a moeda não seja corrente e você precise fazer novo câmbio, cuide para que uma troca desvantajosa não invalide todo o trabalho de comprar e levar dinheiro vivo.
Casas de câmbio de aeroporto e próximas a atrações turísticas têm cotações inferiores às casas de câmbio localizadas nos centros financeiros. Uma mesma casa de câmbio pode trabalhar com cotações diferentes ao longo do dia ou da semana – favorável durante o expediente bancário, desvantajosa à noite e nos fins de semana. Dentro da mesma cidade você pode encontrar cotações até 10% abaixo da cotação mais justa (e se você está fugindo dos 6,38% do IOF do cartão, esta é uma porcentagem que deveria levar em conta).
A situação pior é no Leste Europeu, onde casas de câmbio e lojas são exímias em iludir os turistas que ainda viajam com dinheiro vivo, prometendo cotações que não cumprem (nas letras miúdas você descobre que a cotação é para vender, não para comprar euros) ou uma fictícia “comissão zero” que só se aplica a quantidades muito maiores do que você vai trocar.
Afinal, onde o real vale mais? De acordo com a ferramenta de histórico cambial do site oanda.com, nos últimos dois anos o real perdeu 41% de seu valor frente ao dólar – mas não desvalorizou sozinho, apenas desvalorizou mais que as outras. Um bom caminho para descobrir os destinos menos caros do momento para brasileiros é investigar o tombo das outras moedas frente ao dólar. Paradoxalmente, onde o dólar tiver valorizado mais (ou seja, onde o dólar também estiver caro), nosso poder de compra terá caído menos. Nesses dois anos, só o rublo russo caiu mais que o real: 52% frente ao dólar. O peso colombiano teve uma queda parecida com a do real: 39% (a Colômbia é a pechincha do momento para brasileiros). O peso uruguaio e o rand sul-africano perderam 28% do valor; o peso mexicano, 23%; o peso chileno e o sol peruano, 20%.
(Mas não compre moeda de nenhum desses países: leve reais para o Uruguai e para Santiago, e dólares para os outros destinos.)
O euro perdeu 19% do seu valor frente ao dólar – o que reforça decisões de viagem para os lugares da Zona do Euro com custo de vida menos caro, como Portugal e Grécia (leve euros). A lira turca caiu 25% frente ao dólar (leve dólares ou euros). O forint húngaro e a coroa checa desvalorizaram 18% (leve euros). As moedas que menos desvalorizaram foram as asiáticas, que nesses dois anos desvalorizaram entre 5 e 10% frente ao dólar (leve dólares).
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CARTÕES DE CRÉDITO E DÉBITO NEM SEMPRE SÃO VILÕES
Cartões: a vantagem dos vilões Cartões de crédito e de débito pré-pagos pagam 6,38% de IOF, e o cartão de crédito ainda vem com aquele grave defeito de sujeitar o portador à instabilidade do real entre o momento da compra e o vencimento da fatura ¬- menos os da Caixa Econômica Federal, que agora fazem a conversão para real no momento da compra, não mais no fechamento da fatura. Nos países onde você precisa trocar seus dólares ou euros pela moeda local, os plásticos oferecem uma vantagem utilíssima: seus gastos são convertidos da moeda local para o dólar por uma cotação compatível com a das casas de câmbio mais justas, não importa onde e quando você faça a despesa.
Saques no caixa automático O problema dos saques em caixa automático é que, além do IOF de 6,38%, a cada operação você paga uma tarifa de saque ao seu banco e uma tarifa de uso do equipamento. Juntas, as duas tarifas chegam à casa dos 8 ou 10 dólares. Nos países de moeda forte você consegue fazer saques altos, de 300 ou 400 dólares (ou euros, ou libras), que diluem as tarifas. Mas nos países de moeda fraca, o saque mais alto costuma ser equivalente a no máximo 150 dólares, o que faz as tarifas pesarem demais.
Desde que o saque seja feito em equipamento do próprio banco, o Citibank oferece isenção de tarifa para todos os clientes; o Santander e o HBSC, para clientes especiais
Quando o cartão de crédito é a melhor pedida Os sites das companhias ferroviárias europeias oferecem descontos de 30, 50 e até 70% para passagens compradas com dois a três meses de antecedência, no cartão. No Uruguai, até o dia 31 de março, contas de restaurantes pagas com cartão de crédito têm devolução automática de 18,5% de IVA, o imposto local. No Chile e no Peru, contas de hotel pagas com dólares ou cartão de crédito ficam isentas de IVA de 19% e 18% respectivamente.
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