Com 4,2 mil peças, Casa Geyer vira museu no Rio de Janeiro

Casarão do século XVIII, no Cosme Velho, vai expor, a partir de 2016, coleção de empresário

PUBLICIDADE

RIO - Por quase meio século, o empresário Paulo Geyer (1921-2004), controlador do grupo petroquímico Unipar, e sua mulher Maria Cecília (1922-2014) "perseguiram" obras de arte pelo mundo. Às vezes, tentaram comprar a mesma peça mais de uma vez ao longo de décadas nos EUA, na Europa, na América do Sul. Formaram um acervo artístico e bibliográfico de 4.255 peças, que guardaram em seu casarão do Século XVIII, no Cosme Velho, zona sul da capital fluminense, caminho do Corcovado. Em 1999, doaram-no ao Museu Imperial, em usufruto. A instituição só assumiria o material quando o casal morresse. Agora, o Museu se prepara para abrir ali, em 2016, a Casa Geyer. A inauguração deverá acontecer apesar de polêmica judicial que envolve parte da doação.

"Esta coleção é a melhor, a mais expressiva, brasiliana, ou seja, o melhor conjunto de iconografia do Brasil do Século XIX", disse o diretor do Museu Imperial, o historiador e museólogo Maurício Vicente Ferreira Júnior, que se recusou a comentar a controvérsia. Ela gerou um processo judicial, movido por Maria Cecília após a morte do marido. A viúva alegou que parte dos bens, de valor afetivo, foram incluídos indevidamente na doação. Em sentença de 2013, a Justiça negou o pedido. Ela morreu em junho. A demanda segue. Para Ferreira, isso não atrapalhará a Casa Geyer. "Fizemos tudo na esfera administrativa", garantiu. A parte judicial está com a área jurídica, afirmou.

PUBLICIDADE

Funcionários do Museu Imperial já trabalham no imóvel. Comprado em 1968 do empresário Albert Lee, que vivia dificuldades financeiras, o casarão, antiga sede de uma fazenda de café, fica perto da casa onde morou o empresário Roberto Marinho e da favela Cerro Corá. Ao lado, passa o rio Carioca, um dos marcos dos primórdios da cidade. O imóvel, com um pequeno anexo nos fundos e um pavilhão onde se localizava o escritório de Paulo Geyer - decorado com quadros presos no teto, onde ficam obras de artistas como Nicolau Fachinnetti (1824-1900) - está uma área de 12 mil metros quadrados. Em torno, há encostas de Mata Atlântica e, ao fundo, lá no alto, o Cristo Redentor. Às vezes, saem da floresta micos, macacos-prego e tucanos.

"Temos aqui peças fundamentais para o estudo do Rio de Janeiro e do Brasil do Século XIX, mas lembrando que hás peças que datam também de período anterior, como o Século XVII, o Século XVIII", disse Ferreira.

Publicidade

O valor do material, afirmou, é inestimável. Não há no mercado, hoje, acervo parecido à venda. Estimativas informais avaliam-no em pelo menos R$ 20 milhões. Na última quinta-feira, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em Brasília, aprovou o tombamento do acervo, declarando-o patrimônio histórico e artístico nacional.

A Coleção Geyer divide-se em 1.120 objetos iconográficos (como pinturas), 466 alfaias (móveis e objetos) e 2.590 livros. Há obras de Emeric Essex Vidal (1791-1861 ) , Joseph Alfred Martinet ( 1821-1875 ), Félix Emile Taunay (1795-1881 ), August Müller (1815-1883) , Victor Meirelles ( 1823- 1903 ), Thomas Ender ( 1793-1875 ), Emile Bauch (1823- 18??) e outros. Há até uma rara pintura de Johann Rugendas (1802-1858). Entre as publicações, destacam-se as dez edições (a primeira de 1711, a última de 1922) das "Memórias" do corsário René Duguay-Trouin (1673-1736). Ele atacou o Rio no início do Século XVIII. Dominou e saqueou a cidade.

Os objetos incluem 165 pinhas de cristal, inclusive de Murano, e artefatos como a lanterna de Berlinda do Aparato de D. Pedro II, adorno de prata da carruagem do imperador. Há ainda três serviços completos Companhia das Índias; uma cômoda do fim do Século XVIII ou início do Século XIX; uma manga de vidro para velas, com as iniciais P II (Pedro II) e o símbolo da coroa imperial; e tapetes orientais de diversas nacionalidades.

Para que a Casa Geyer seja aberta ao público, falta transformá-la em museu com capacidade para receber de 150 a 200 pessoas por dia. É necessário fazer reparos no casarão, atingido em alguns pontos pela umidade, construir banheiros para o público, erigir uma portaria com guaritas e estacionamento no terreno baldio que fica no fundo da propriedade. As obras ainda não foram orçadas. A ideia é que a entrada de visitantes se faça por ali. Ao lado, fica a entrada para a casa de Roberto Marinho, que também se prepara para se abrir à visitação. As duas instituições discutem parcerias, de acordo com Ferreira. "Poderemos chamar aqui o Circuito dos Colecionadores do Cosme Velho", disse Mais acima, a caminho do casarão, fica um amplo gramado. No local, o Museu Imperial pretende realizar concertos musicais. Ali, estão enterradas as cinzas de Paulo e Maria Cecília Geyer, ao pé de duas palmeiras vizinhas.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.