Policial militar reformado e ex-PM são presos no Rio suspeitos de matar Marielle Franco

Um dos suspeitos, Ronnie Lessa, mora no mesmo condomínio do presidente Jair Bolsonaro, na Barra da Tijuca; ele foi homenageado pela Alerj em 1998

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Foto do author Roberta Jansen
Ronnie Lessa, à esquerda, e Elcio Vieira de Queiroz foram presos nesta terça-feira, 12 Foto: Imagens cedidas pela polícia/EFE

Dois dias antes de a execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completar um ano, a Polícia Civil prendeu nesta terça-feira, 12, dois acusados de participação direta no crime: o PM reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-PM Élcio Vieira Queiroz, de 46. Lessa teria sido o autor dos disparos. Queiroz teria dirigido o carro que levava o assassino. Ainda não se definiram possíveis mandantes e a motivação.

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“Essas questões serão respondidas na segunda fase (da investigação)”, afirmou o delegado Giniton Lages, responsável na Delegacia de Homicídios pelo caso. Ele limitou-se a dizer que “foi um crime de ódio, com motivação torpe”. Para o Ministério Público do Rio, Marielle foi morta por sua atuação política.

Lessa e Queiroz foram denunciados pelo homicídio qualificado de Marielle e Anderson e pela tentativa de homicídio de Fernanda Chaves, assessora da vereadora que também estava no carro e escapou viva do ataque. 

A vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram mortos no dia 14 de março de 2018 no centro do Rio Foto: Mário Vasconcellos / CMRJ

Os dois foram detidos de madrugada. Lessa estava em casa, no mesmo condomínio onde o presidente Jair Bolsonaro tem residência, na Barra da Tijuca, zona oeste carioca. Queiroz também estava em casa, no Engenho de Dentro, zona norte. Há suspeita de que tenham sido informados e tentado fugir. Mas estavam sob monitoramento da polícia. A busca e apreensão na casa de um amigo de Lessa ainda levou à maior apreensão de fuzis da história do Rio.

Depoimentos dos dois acusados na Delegacia de Homicídios podem esclarecer a motivação dos crimes e os mandantes. Além disso, o governador Wilson Witzel (PSC) levantou a possibilidade de os dois fazerem delação premiada. Assim, indicariam possíveis mandantes do crime. As prisões foram resultado de uma operação conjunta com o Ministério Público. As defesas de Lessa e Queiroz negam relação com o crime. 

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Planejamento

Segundo o MP, o crime foi planejado de forma meticulosa por três meses. Lages informou que nesse período Lessa teria feito pesquisas online não apenas sobre a rotina da vereadora, mas também sobre a de outros políticos da esquerda, como o atual deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e sua família, além de autoridades da área de segurança. “Ronnie tinha um perfil de ódio a políticos de esquerda.”

Conforme o delegado, Lessa fez pesquisas na internet “sobre Marcelo Freixo, sobre a mulher do Freixo, sobre diversas autoridades públicas, o (general) Richard Nunes (então secretário de Segurança)”. Lages não deixou claro, no entanto, se o objetivo de tais pesquisas seria buscar outros alvos ou reunir informações para o crime.

Segundo o Ministério Público, o nome de Lessa surgiu pela primeira vez em outubro. “Uma informação obtida pelo serviço de inteligência dava conta de ter havido um encontro no Quebra-Mar, no pré-crime”, disse a promotora Simone Sibílio. Para o Ministério Público, Lessa agiu motivado por repulsa à atividade parlamentar de Marielle, mas isso não impede que haja um mandante.

Foram ouvidas 230 testemunhas e interceptadas 318 linhas telefônicas. Chegou-se a um intricado rastro de vestígios deixados pelos suspeitos, acompanhando milhares de horas de imagens de câmeras nas ruas. “Foi uma execução sofisticada e que não teve erro por parte dos criminosos”, disse Lages.

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Segundo ele, só houve um momento que, por pouco, não mudou o rumo do crime. Marielle deixou o local onde participava de evento naquela noite, ao lado da assessora Fernanda Chaves e do motorista. Os três se encaminham para o automóvel usado pela vereadora, e a outra funcionária vai na direção do veículo dos assassinos - pensou ser um carro por aplicativo que havia pedido. “Ela chega a tocar na maçaneta da porta. Mas rapidamente vê o outro carro.” 

Os advogados do PM reformado e do ex-policial negaram o crime. 

‘Importante é saber quem mandou matar’

'As autoridades brasileiras estarão com as mãos sujas de sangue até que respondam quem matou e quem mandou matar minha companheira Marielle Franco', disse a viúva Mônica Benício em Genebra Foto: Pablo Nunes

Após as prisões, a viúva de Marielle Franco, a ativista Monica Benício, pediu que as investigações continuem. “Espero não ter de aguardar mais um ano para saber quem foi o mandante do crime”, afirmou, ressaltando que foi “um passo importante na investigação, uma etapa fundamental”. 

“Espero poder ter em breve acesso aos detalhes para que sinta segurança nesse resultado”, continuou Monica Benício. “Mais importante do que a prisão de ratos mercenários é responder a questão mais urgente e necessária de todas: quem mandou matar Marielle. Essa resposta e a condenação final de todos os envolvidos o Estado deve a todas e todos que sofrem com a perda de Marielle e à própria democracia.”

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A assessora de Marielle, Fernanda Chaves, que estava no carro com a vereadora no dia em que ela foi morta, afirmou que não foi fácil “acordar e me deparar com as figuras acusadas de metralhar o carro em que eu estava, responsáveis por acabar com as vidas de Marielle e Anderson”. “Mas as notícias dão conta da apreensão de material e equipamento, o que pode ser essencial para chegar nos mandantes. O mundo inteiro quer saber quem mandou e quais foram as motivações.”

Na mesma linha foram o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e outros políticos do partido. Freixo disse em sua conta no Twitter que as prisões dos executores de Marielle e Anderson são importantes, mas tardias.

Já a Anistia Internacional divulgou uma nota em que “reitera a necessidade de, como já foi feito em outros países, um grupo externo e independente de especialistas acompanhar as investigações e o processo”. “A organização reitera que ainda há muitas perguntas não respondidas e que as investigações devem continuar até que os autores e os mandantes do assassinato sejam levados à Justiça.”

'Caso como o outro'

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente, afirmou que “Esse caso de assassinato é como os outros 62 mil casos que a gente tem no Brasil”. “É óbvio que a gente quer que ele seja elucidado e que quem cometeu vá preso. Não tem nada de diferente. Não tem essa de passa a mão na cabeça. Isso aí está muito acima de questão política, pelo amor de Deus”, afirmou o parlamentar ao deixar o Congresso.

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Ele viu uma tentativa da imprensa de ligar sua família ao caso, até por fotos (mais informações nesta página). “É um desespero para tentar dizer que Bolsonaro tem culpa no cartório. Quem era Marielle? Estou falando com todo o respeito. Ninguém conhecia quem era Marielle Franco antes de ela ter sido assassinada.” ]

Alerj homenageou PM

O policial militar reformado já foi homenageado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Ele recebeu uma moção de congratulações, aplausos e de louvor em 1998 "pela maneira como vem pautando sua vida profissional como policial-militar do 9º BPM".

"Sem nenhum constrangimento posso afirmar que o referido militar é digno desta homenagem por honrar, permanentemente, com suas posturas, atitudes e desempenho profissional, a sua condição humana e de militar discreto mas eficaz. Constituindo-se, deste modo, em brilhante exemplo àqueles com quem convive e com àqueles que passam a conhecê-lo", justificou à época.

O autor da homenagem foi o deputado estadual Pedro Fernandes, que já morreu. Ele era avô do atual secretário de educação do governador Wilson Witzel (PSC), Pedro Fernandes Neto, ex-deputado estadual. 

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Em outubro do ano passado, pouco antes das eleições, Witzel participou de um evento em Petrópolis, na região serrana, em que os então candidatos do PSL a deputado federal Daniel Silveira e a deputado estadual Rodrigo Amorim (ambos eleitos) destruíram uma placa de rua feita em homenagem à vereadora assassinada.

Veja a linha do tempo do caso

Grilagem

A vereadora Marielle Franco (PSOL) teria sido morta porque milicianos acreditaram que ela podia atrapalhar os negócios ligados à grilagem de terras na zona oeste do Rio.

O crime estava sendo planejado desde 2017, muito antes de o governo federal decidir decretar a intervenção federal no Rio. As revelações foram feitas pelo general Richard Nunes, secretário da Segurança Pública do Rio.

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Marielle Franco foi executada a tiros na noite de 14 de março, junto com seu motorista Anderson Gomes, quando saía de um debate Foto: Silvia Izquierdo/AP

Em janeiro deste ano, a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio prenderam cinco supostos integrantes de uma milícia que atua em Rio das Pedras, comunidade pobre da Barra da Tijuca. Um dos detidos era acusado de integrar o Escritório do Crime, organização criminosa suspeita dos assassinatos da vereadora e do motorista.

Quem era Marielle Franco

Negra, nascida e criada na favela da Maré, Marielle lutava pelos direitos de negros, mulheres e da comunidade LGBT e era crítica da recente Intervenção Militar ordenada pelo presidente Michel Temer. 

Marielle nasceu em 1979 no Complexo da Maré, na zona norte do Rio. Formou-se em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) e fez mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Na dissertação para obter o título de mestre, pesquisou as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

Marinette Silvaainda entregou ao papa uma camiseta com imagens da filha Foto: Arquivo Pessoal/ Marinette Silva

Segundo seu site pessoal, iniciou a militância em direitos humanos após ingressar em um pré-vestibular comunitário e perder uma amiga vítima de bala perdida em um tiroteio entre policiais e traficantes na Maré.

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Foi eleita vereadora do Rio pelo PSOL com 46,5 mil votos - a 5ª maior votação. Estreante na Câmara, participava de comissão criada no início do mês para acompanhar a intervenção federal no Rio. 

Apoiava projetos para punir o assédio em espaços públicos, em defesa de casas de parto e do aborto legal. Nas redes sociais, se posicionava contra o racismo e a violência policial. Em sua última publicação, divulgou vídeo do encontro de mulheres negras na Lapa, na região central, pouco antes de ser morta. No sábado, protestou contra ação policial no Acari, na zona norte.