Moradores de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, afirmam que têm havido roubos de barcos usados emergencialmente para resgates de desabrigados para saquear as residências alagadas. Canoas está entre as principais afetadas pelas enchentes, o maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul.
A Brigada Militar confirma as ocorrências nos últimos dias, com assaltantes armadas abordando os barcos de voluntários, além de arrombamentos de residências e saques na região metropolitana de Porto Alegre, como Canoas e Eldorado, e também no município de Arroio do Meio.
“Assaltantes aproveitaram o momento em que as forças policiais estavam ajudando no resgate e no salvamento de vidas para praticar esses atos. Nós tínhamos de definir prioridades: estávamos salvando vidas”, afirma o Coronel Douglas, subcomandante da Brigada Militar do Rio Grande do Sul ao Estadão.
Os crimes estão sendo praticados em meio à mobilização dos voluntários para socorrer desabrigados e a luta pela sobrevivência dos moradores. A Defesa Civil avalia que o apoio dos barcos e outras embarcações de pequeno porte possibilitam o acesso às áreas tomadas pelas cheias, onde não é mais possível a aproximação a pé ou com veículos automotores. Além disso, as estruturas são utilizadas à noite, quando os resgates aéreos estão impossibilitados.
“Estão assaltando de barco. Assaltam outros barcos e também as casas vazias por causa das chuvas”, diz Camila Pavan Maldonado, dona de um salão de beleza, de 34 anos. Seu negócio, no bairro Rio Branco, está debaixo d’água. Neste momento, ela está na casa de familiares no bairro de Estância Velha, na parte mais alta de Canoas.
Na capital, a Arena Grêmio, que tem abrigado moradores que tiveram de sair de casa, também foi assaltada. “Eles (vândalos) acabaram se alojando e pela manhã (de domingo, 5) ocorreu esse arrombamento na Grêmio Mania, loja oficial do Clube. Não tem como avaliar o prejuízo ainda’', disse o responsável pela Comunicação Social do clube, Paulo Ludwig. Procurada para comentar sobre os relatos de saques, a Brigada Militar gaúcha não se manifestou.
O empresário Claiton Jardim, que atua com locação e venda de barcos e jetskis, vem atuando como voluntário para resgatar desabrigados em Canoas. Ele também afirma ter presenciado os atos criminosos.
“É o fim dos tempos. Vi pessoas se organizando para roubar. Fiquei apavorado. Milhares de pessoas desabrigadas, vários voluntários de outros Estados, e outras se organizando para saquear o que sobrou”, afirmou, nas redes sociais.
Vídeos publicados por moradores registraram a prisão de três suspeitos pela Brigada Militar também neste domingo. Nas imagens, eles são xingados pela população. A Brigada Militar ainda não tem a totalização de prisões e ocorrências.
De acordo com os moradores, os ladrões usam os barcos para se locomover até as casas abandonadas por causa das cheias. Eles aproveitaram os móveis e utensílios que foram salvos pelos moradores nos andares superiores e invadem as residências pelas janelas. Também há relatos de roubos aos voluntários que se locomovem de barcos.
Para coibir a ação dos criminosos, a polícia vem adotando novas estratégias. Uma delas é o policiamento com o uso de barcos. No município de Eldorado, o efetivo passou de 10 para 60 homens que patrulham as residências e o distrito industrial.
“A partir do momento que não existiam mais pessoas isoladas, que precisavam de resgate, passamos a fazer um policiamento intensivo”, afirma o Coronel Dougas.
Nesta terça-feira, 7, a Brigada Militar aguarda a chegada de 80 homens do Comando Ambiental de São Paulo que vão patrulhar Canoas, Porto Alegre, Eldorado e provavelmente São Leopoldo.
Canoas é a terceira cidade gaúcha mais populosa, com 357,7 mil habitantes, atrás de Porto Alegre e Caxias do Sul. Estima-se que metade da população tenha sido atingida pelas cheias nos últimos dias. Pelo menos 15 mil pessoas estavam desabrigadas no município até a tarde de domingo, 5. Os bairros mais atingidos estão Mathias Velho, Fatima, Cinco Colônias, Mato Grande, Rio Branco e São Luís.
O Hospital de Pronto Socorro, no bairro Mathias Velho, ficou completamente inundado após o rompimento de um dique. Vários pacientes tiveram que ser removidos, no sábado, devido a subida rápida das águas na instituição.
“Em dois terços da cidade, a destruição foi praticamente total. São cerca de 80 mil casas atingidas, além de empresas, fábricas e equipamentos públicos como escolas e unidades de saúde. Será preciso um grande esforço para reconstruir a cidade”, afirmou o prefeito Jairo Jorge (PT).
Pelas redes sociais, moradores relatam saques no Vale do Taquari
O município de Arroio do Meio, no Vale do Taquari (RS), também tem relatos de saques nas redes sociais. Moradores dizem que estabelecimentos comerciais foram roubados nos últimos dias, como mercados, lojas e farmácias. A Brigada Militar confirma as ocorrências.
Na sexta, 3, uma pessoa foi baleada e encaminhada ao hospital em Lajeado. Ainda não há mais informações sobre as causas do crime, segundo a Polícia Civil, que apura o caso.
O governo federal reconheceu o estado de calamidade pública para 336 municípios gaúchos, o equivalente a dois terços das cidades do Rio Grande do Sul, no domingo, 5.
Várias regiões gaúchas ainda têm pontos ilhados, estradas e pontes destruídos e moradores à espera de resgate. Há centenas de milhares de moradores sem luz e água. / COLABOROU LUCIANO NAGEL
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