Moradores do bairro Bom Parto, um dos cinco onde há áreas com risco de colapso em Maceió, convivem há pelo menos dois anos com duas incertezas. Uma delas diz respeito à segurança de estar próximo à mina 18, local que levou a prefeitura a decretar estado de emergência. A outra atinge diretamente quem tem comércio na região e vê a clientela diminuir cada vez mais, enquanto as contas se acumulam.
O bairro, humilde, fica ao lado da mina 18 e recebeu esse nome em homenagem à Nossa Senhora do Bom Parto. Uma igreja de meados do século 19, dedicada à padroeira está na entrada no bairro, mas foi fechada em 2022 devido ao afundamento do solo, que atinge outros bairros próximos, como Pinheiro e Bebedouro.
Todas as construções naquele lado da Rua General Hermes foram interditadas há dois anos. Seus moradores foram indenizados pela Braskem, que operava a mina, e se mudaram para outros bairros. O mesmo aconteceu com algumas casas e comércios do lado oposto, mais próximas à mina.
Quinze famílias, porém, continuam lá, em uma área que não foi interditada pelas autoridades (portanto, sem direito à indenização). E não é porque querem: falta dinheiro para se mudar.
“Deixaram 15 casas porque disseram que não tem perigo. Sempre achamos estranho e perguntamos aos responsáveis: ‘se a parte da frente vai afundar - e no meu lado da rua muitas casas foram interditadas -, não corre o risco de irmos junto?’ Eles (Defesa Civil) alegam que não, que o solo aqui está fixo”, diz o aposentado André Pereira Teodósio, de 57 anos.
A prefeitura afirma que a área é monitorada pelos técnicos e diz que os limites da mina na superfície são diferentes das cavidades subterrâneas (leia mais abaixo). Em nota, a Braskem também informou que a região do Bom Parto é constantemente monitorada e não há estudos que indiquem a necessidade de desocupação.
Teodósio mora quase em frente à igreja. A rua, que foi fechada totalmente para o trânsito na segunda-feira da semana passada, está com asfalto novo. “Aqui passava durante 24 horas por dia os caminhões e caçambas da Braskem, pra levar areia para a mina. Eles pararam na semana passada, quando a mina foi interditada”.
O fluxo de caminhões, segundo ele, prejudicava o sono. “Atrapalha, mas o pior não é quando os caminhões passam carregados. O pior é na volta, quando passam vazios. Para completar, construíram uma lombada bem em frente à minha casa”, reclama. Mas, fora os caminhões da Braskem, o movimento de veículos é quase nenhum.
Na região mais baixa do bairro, encostada à lagoa Mundaú, a desocupação de imóveis também foi apenas parcial. Lá, centenas de casas permanecem ocupadas e, por ora, fora da área considerada de risco - e isso mesmo que a própria laguna tenha tido seu uso por pescadores suspenso pelas autoridades na última semana, devido ao risco provocado pela mina.
Muitos dos moradores retiram seus sustentos com pequenos comércios no local. E eles dizem enfrentar problemas desde que começaram as remoções, há dois anos. “Moro aqui há 15 anos. Meu marido e eu tínhamos uma loja de roupas, mas não funciona mais porque não tem movimento nenhum”, relata a comerciante Fernanda Melo, de 31 anos.
“E agora a gente ainda tem medo, porque o abalo que deu fez com que o pessoal da secretaria de Educação, das escolas que haviam aí, saísse correndo. Está um breu, tudo deserto, com risco de assalto”, lamenta Fernanda.
Ela diz que, apesar da diminuição nas vendas, as contas permanecem. “Os comerciantes não têm mais movimento, tem de ir pagar aluguel em outro lugar. A gente tem que sair daqui, de algo que é da gente, pra ir pagar aluguel em outro lugar e conseguir trabalhar pra sobreviver”, afirma Fernanda.
“Tenho um imenso ponto, no 1º andar de uma casa boa, mas que não tem mais movimento nenhum. Como é que fica? A gente paga maquineta (de cartão), imposto de roupa, paga tudo”, continua ela.
Próximo dali, Márcio Barbosa, de 48 anos, mantém um barzinho que é tradicional ponto de encontro dos moradores aos finais de semana. Com uma TV virada para a rua, ele coloca mesas e cadeiras em frente, formando uma espécie de arquibancada provisória. Fatura vendendo suas cervejinhas enquanto o pessoal assiste às partidas de futebol.
É daí que Silva tira o sustento dele e da família, formada por mulher e três filhos pequenos. Mas está cada vez mais difícil. “Em dia de jogo, como hoje (domingo), era cheio aqui. Sábado, domingo, eu colocava 12 mesas e ficavam todas cheias. Hoje, tem essas três”, lamenta.
“Perdi uns 80% de faturamento nesses últimos dois anos. E não posso me mudar para outro lugar, porque não tenho dinheiro para investir. Enquanto isso, vou esperando eles virem para pagar (indenização) para poder colocar outro comércio”, conta o proprietário do bar, que diz ainda ter as contas da casa atrasadas.
Tanto ele quanto Fernanda afirmam ter “um pouco de medo” quanto à situação da mina 18. “Acho errado a gente ainda estar aqui. Se tem risco de cair, tinha que tirar todo mundo”, comenta Barbosa.
“A gente não entende (se vai colapsar). Só entende quem trabalha nisso, mas também não pode duvidar. Se quem entende diz que pode desabar, que a cada dia o buraco está abrindo devagar, abrindo, abrindo, a gente vai duvidar?”, indaga Fernanda.
Área é monitorada pela Defesa Civil, diz prefeitura
Em nota, a prefeitura de Maceió afirmou que as minas estão em áreas subterrâneas, onde não há a mesma delimitação que a da superfície. “O solo quando está prestes a afundar não respeita os limites do perímetro urbano delimitado na superfície. Por isso, em algumas situações há a diferença de níveis de risco ou afundamento”, diz.
Afirmou ainda que a Defesa Civil de Maceió monitora toda a região por meio de equipamentos, como sensores e inclinômetros, além de visitas periódicas.
A gestão municipal também diz que a Autarquia Municipal de Iluminação Pública (Ilumina) atua para garantir a “manutenção e prestação dos serviços nas áreas de risco”. Segundo a nota, dois geradores de energia foram instalados no Bom Parto na sexta-feira, 1º, e também foi ampliado o número de projetores no campo do bairro, que é um ponto de evacuação dos moradores.
Em nota, a Braskem informou que a região do Bom Parto é constantemente monitorada e não há estudos que indiquem a necessidade de desocupação. De acordo com a companhia, desde dezembro de 2019, famílias e comerciantes de uma parte do Bom Parto passaram a ser atendidos pelo Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF). “O programa já desocupou 99,4% dos imóveis identificados nas áreas (dados de 31 de outubro de 2023)”, diz a empresa.
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