O município mais violento do Brasil fica em um dos menores Estados do País, o Amapá, e viu seu número de homicídios subir 88,2% em um ano. Segunda maior cidade do Estado, Santana fica a apenas 17 quilômetros da capital, Macapá. Por trás da alta, está um cenário de confronto entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), que disputam a rota amazônica do tráfico de cocaína e skunk.
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Principal acesso fluvial do Amapá, o município de Santana tem portos que recebem navios e barcos para transporte regional, além de um específico para cargueiros de grande porte com foco em importações e exportações.
Também pesa nessa conta a alta letalidade das polícias amapaenses. Em 2023, a cidade registrou média de 92,9 mortes violentas intencionais para cada grupo de 100 mil habitantes. O índice é quatro vezes maior do que a média nacional (22,8). Procurado, o governo estadual não comentou.
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É o que mostra o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira, 18. O levantamento também aponta que o Amapá foi a unidade da federação que registrou o maior crescimento de homicídios no País, com alta de 39,8% entre 2022 e 2023 - e isso em um contexto de queda nacional de vítimas.
“Em 2017, houve o apogeu das mortes, principalmente a partir da guerra instaurada a partir da ruptura do PCC com o Comando Vermelho. Em 2023, percebe-se que a dinâmica do crime faz com que a disputa não seja mais generalizada pelo País todo, mas concentrada em municípios estratégicos para o negócio da droga, principalmente, e da arma”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum de Segurança Pública.
“Muitas vezes regiões com portos, aeroportos ou fronteiras, que são grandes ‘hubs’ logísticos de distribuição das mercadorias legais”, acrescenta o sociólogo. “Em Santana, tem porto, que começou a ser usado pelo crime organizado principalmente para exportar drogas para a Europa e receber mercadorias ilegais, incluindo armas, para alimentar e financiar a cadeia.”
“Mas não é só droga. Vai minério, diamante, é uma imbricação com as demais modalidades.” continua Lima. Especialistas têm apontado também que, na Amazônia, a escalada do tráfico de drogas impulsiona crimes ambientais, como garimpo e desmatamento.
Nos presídios, onde são recrutados mais membros para as facções, o próprio governo reconhece dificuldades. Em documento no início do ano, o Instituto de Administração Penitenciária do Amapá, sob a gestão Clécio Luís (Solidariedade), admitiu que “enfrenta questões como sobrecarga de funções em coordenações, infraestrutura inadequada e pontos de tensão entre segurança e ressocialização”.
Dados do Censo 2022 mostram que Santana, de 107,6 mil habitantes, tem a população essencialmente jovem, com o grupo entre 20 e 24 anos apresentando a maior barra na pirâmide etária. E cerca de metade da população de Santana tem até 29 anos, justamente a faixa em que são registrados os maiores percentuais de homicídios no País.
IDH de Santana tem melhorado, mas dados gerais ainda são ruins
A cidade amapaense que registrou o maior número de homicídios no ano passado oscila em seus indicadores. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Santana melhorou nas últimas décadas, mas ainda está abaixo da média nacional.
Atualmente, o IDHM de Santana é de 0,692, ocupando a 2.134º posição entre todos os 5.570 do País. O índice nacional é de 0,766. Os dados são do Atlas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil), e quanto mais próximo de 1, melhor.
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Outro estudo, divulgado este mês pelo IPS Brasil, que fez um ranking de todas as cidades do País a partir de 53 indicadores oficiais, coloca a cidade de Santana em patamares ainda piores quando se trata de qualidade de vida. A cidade ficou na posição 3.312, com nota 56,94 em escala que vai até 100.
Entre os maiores problemas a serem enfrentados pelo município, segundo o levantamento, estão as questões voltadas às necessidades humanas básicas. Dezesseis dos 17 indicadores que compõem essa análise foram considerados abaixo do ideal ou em posição de atenção. E um dos que receberam pior avaliação é justamente o que trata de homicídios.
Além dos recursos advindos da operação dos portos, Santana também registra atividade rural, sobretudo com a criação de gado, suínos e búfalos. A pesca, a extração de madeira e o comércio de açaí também contribuem para a economia local. A região também tem a Ilha de Santana, que costuma receber turistas aos finais de semana.
Pelo País, facções sequestram contratos públicos e miram novos lucros
Conforme o Estadão tem mostrado, na série de reportagens (In)Segurança Pública, as facções criminosas têm se fortalecido no País, com sequestro de contratos do poder público, diversificação das estratégias para lavar dinheiro e busca de novos caminhos para a droga.
“O Brasil tem tudo para se transformar num narcoestado”, afirmou Wálter Maierovitch em entrevista ao Estadão em abril. Para ele, ao se infiltrar em estruturas do Estado – como foi o caso dos contratos de ônibus em São Paulo – o crime organizado ganha perfil de máfia no Brasil.